O diplomata e escritor português Eça de Queiroz dizia de forma irônica: “Os políticos e as fraldas são semelhantes, possuem o mesmo conteúdo.” Nesse contexto, as vésperas das eleições são marcadas por um festival de promessas, a maioria com pernas curtas.
No Brasil, é conhecida a estratégia dos candidatos governistas de prometerem mundos e fundos do orçamento da União para os seus estados e as suas cidades ao argumento de que os favores serão obtidos por meio da proximidade que possuem com as autoridades federais. Nessas últimas eleições, a prática alastrou-se.
Ao longo da campanha, muitos procuraram mostrar intimidade com os principais caciques políticos, utilizando fotos e gravações em áudios e vídeos. Foram espalhados diversos “santinhos” de “Zés e Manés”, preferencialmente com Dilma e Lula, que ainda compareceram aos comícios dos mais ilustres. Caracterizada a “amizade”, os pretendentes aos cargos executivos juraram que com recursos federais serão construídos postos de saúde, escolas, hospitais, creches entre várias benfeitorias.
Em outras palavras, ofereceram aos eleitores passaporte para o Paraíso, desde que votassem nos amigos da rainha. Para grande parte dos políticos, não há duvida, o orçamento federal é mesmo a “casa da mãe Joana”.
Caso as leis fossem seguidas à risca, a moralidade seria maior. Em 1999, um grupo de técnicos do Congresso Nacional em visita ao Parlamento dos Estados Unidos trouxe de lá a ideia de inserir na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) impedimento para o uso político do orçamento da União.
Desta forma, há mais de 10 anos, consta nas legislações orçamentárias o seguinte: “(..)A execução da Lei Orçamentária obedecerá aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência na Administração Pública, não podendo ser utilizada para influir na apreciação de proposições legislativas em tramitação no Congresso Nacional.”
Legalmente, portanto, os recursos relacionados às emendas parlamentares — por onde fluem os pedidos dos prefeitos — ou ainda a qualquer transferência voluntária não estão atrelados à boa vontade dos governistas de plantão.
Na prática, porém, não é bem assim. Os prefeitos, em “dobradinha” com os deputados federais e senadores, sugerem emendas que são incorporadas ao orçamento da União. A partir daí, os “iguais” se tornam “diferentes”. Quando interessa ao Executivo, os valores são liberados de forma individual e cirúrgica, via de regra às vésperas de votação ou de fato político importante.
Vale lembrar que Crivella foi nomeado ministro para que o seu partido apoiasse a candidatura de Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo. A eleição paulistana também foi responsável pela senadora Marta Suplicy ter assumido o Ministério da Cultura, em troca de sua participação na campanha de Haddad. Aliás, por coincidência, a senadora também é destaque dentre os que desatam os nós de suas emendas. A atual ministra da Cultura conseguiu empenho de R$ 4,8 milhões para a estruturação de hospital em Mauá, na região metropolitana de São Paulo.
Conforme levantamento do jornal “Correio Braziliense”, os partidos da oposição — PSDB, DEM, PPS e PSol — receberam menos de 7% dos R$ 343 milhões empenhados pelo governo até 8 de outubro para atender às emendas individuais. Já PMDB, PP, PT, PDT, PR, PSB e PTB abocanharam a maior parte dos recursos. Guardadas as proporções, quase um mensalinho.
Na verdade, o pano de fundo dessas emendas é a relação promíscua entre os poderes Executivo e Legislativo, em barganha desenfreada para atender a interesses políticos, partidários e pessoais.
A atual oposição, diga-se de passagem, critica de forma envergonhada o que praticava há anos.
Como é difícil imaginar que os próprios parlamentares irão alterar esse costume político, é necessário que o Ministério Público, cumprindo a LDO, questione na Justiça o uso histórico do orçamento federal em beneficio dos apadrinhados. Caso contrário, até que a democracia amadureça, a solução é ir trocando os políticos, exatamente como fazemos com as fraldas.
10 de novembro de 2012
Fonte: O Globo
Ao longo da campanha, muitos procuraram mostrar intimidade com os principais caciques políticos, utilizando fotos e gravações em áudios e vídeos. Foram espalhados diversos “santinhos” de “Zés e Manés”, preferencialmente com Dilma e Lula, que ainda compareceram aos comícios dos mais ilustres. Caracterizada a “amizade”, os pretendentes aos cargos executivos juraram que com recursos federais serão construídos postos de saúde, escolas, hospitais, creches entre várias benfeitorias.
Em outras palavras, ofereceram aos eleitores passaporte para o Paraíso, desde que votassem nos amigos da rainha. Para grande parte dos políticos, não há duvida, o orçamento federal é mesmo a “casa da mãe Joana”.
Caso as leis fossem seguidas à risca, a moralidade seria maior. Em 1999, um grupo de técnicos do Congresso Nacional em visita ao Parlamento dos Estados Unidos trouxe de lá a ideia de inserir na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) impedimento para o uso político do orçamento da União.
Desta forma, há mais de 10 anos, consta nas legislações orçamentárias o seguinte: “(..)A execução da Lei Orçamentária obedecerá aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência na Administração Pública, não podendo ser utilizada para influir na apreciação de proposições legislativas em tramitação no Congresso Nacional.”
Legalmente, portanto, os recursos relacionados às emendas parlamentares — por onde fluem os pedidos dos prefeitos — ou ainda a qualquer transferência voluntária não estão atrelados à boa vontade dos governistas de plantão.
Na prática, porém, não é bem assim. Os prefeitos, em “dobradinha” com os deputados federais e senadores, sugerem emendas que são incorporadas ao orçamento da União. A partir daí, os “iguais” se tornam “diferentes”. Quando interessa ao Executivo, os valores são liberados de forma individual e cirúrgica, via de regra às vésperas de votação ou de fato político importante.
O pano de fundo dessas emendas é a relação promíscua entre os poderes Executivo e Legislativo
Desta forma, talvez não seja mero acaso o senador Marcelo Crivella (PRB/RJ) ser o recordista dentre os que mais conseguiram “empenhos” (compromissos assumidos para posteriores pagamentos) para atendimento dos seus pleitos. Em 2012, o ministro da Pesca obteve empenho de R$ 10,4 milhões para a sua proposta de melhoria das condições de assentamentos precários. Vale lembrar que Crivella foi nomeado ministro para que o seu partido apoiasse a candidatura de Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo. A eleição paulistana também foi responsável pela senadora Marta Suplicy ter assumido o Ministério da Cultura, em troca de sua participação na campanha de Haddad. Aliás, por coincidência, a senadora também é destaque dentre os que desatam os nós de suas emendas. A atual ministra da Cultura conseguiu empenho de R$ 4,8 milhões para a estruturação de hospital em Mauá, na região metropolitana de São Paulo.
Conforme levantamento do jornal “Correio Braziliense”, os partidos da oposição — PSDB, DEM, PPS e PSol — receberam menos de 7% dos R$ 343 milhões empenhados pelo governo até 8 de outubro para atender às emendas individuais. Já PMDB, PP, PT, PDT, PR, PSB e PTB abocanharam a maior parte dos recursos. Guardadas as proporções, quase um mensalinho.
Na verdade, o pano de fundo dessas emendas é a relação promíscua entre os poderes Executivo e Legislativo, em barganha desenfreada para atender a interesses políticos, partidários e pessoais.
A atual oposição, diga-se de passagem, critica de forma envergonhada o que praticava há anos.
Como é difícil imaginar que os próprios parlamentares irão alterar esse costume político, é necessário que o Ministério Público, cumprindo a LDO, questione na Justiça o uso histórico do orçamento federal em beneficio dos apadrinhados. Caso contrário, até que a democracia amadureça, a solução é ir trocando os políticos, exatamente como fazemos com as fraldas.
10 de novembro de 2012
Fonte: O Globo
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