Todo mundo sabe
que a base eleitoral do ex-presidente Lula, bem como a da sua sucessora, está
nas filas de beneficiários das verbas do Fome Zero. Embora a origem do programa
remonte ao governo FHC, o embrulhão-em-chefe conseguiu fundi-lo de tal maneira à
imagem da sua pessoa, que a multidão dos recebedores teme que votar contra ele
seja matar a galinha dos ovos de ouro.
No começo ele prometia, em vez disso, lhes arranjar empregos, mas depois se absteve prudentemente de fazê-lo e preferiu, com esperteza de mafioso, reduzi-los à condição de dependentes crônicos.
O cidadão que sai da miséria para entrar no mercado de trabalho pode permanecer grato, durante algum tempo, a quem lhe deu essa oportunidade, mas no correr dos anos acaba percebendo que sua sorte depende do seu próprio esforço e não de um favor recebido tempos atrás. Já aquele cuja subsistência provém de favores renovados todos os meses torna-se um puxa-saco compulsivo, um servidor devoto do "Padim", um profissional do beija-mão.
O político que faz carreira baseado nesse tipo de programa é, com toda a evidência, um corruptor em larga escala, que vive da deterioração da moralidade popular. É impossível que o crescimento do Fome Zero não tenha nada a ver com o da criminalidade, do consumo de drogas e dos casos de depressão. Transforme os pobres em mendigos remediados e em poucos anos você terá criado uma massa de pequenos aproveitadores cínicos, empenhados em eternizar a condição de dependência e extrair dela proveitos miúdos, mas crescentes, fazendo do próprio aviltamento um meio de vida.
Mas o assistencialismo estatal vicioso não foi o único meio usado pela elite petista para reduzir a sociedade brasileira a um estado de incerteza moral e de anomia. Na mesma medida em que se absteve de criar empregos, o sr. Lula também se esquivou de dar aos pobres qualquer rudimento de educação, por mais mínimo que fosse, para lhes garantir a longo prazo uma vida mais dotada de sentido.
Durante seus
dois mandatos o sistema educacional brasileiro tornou-se um dos piores do
universo, uma fábrica de analfabetos e delinqüentes como nunca se viu no mundo.
Ao mesmo tempo, o governo forçava a implantação de novos modelos de conduta –
abortismo, gayzismo, racialismo, ecolatria, laicismo à outrance etc. --, sabendo
perfeitamente que a quebra repentina dos padrões de moralidade tradicionais
produz aquele estado de perplexidade e desorientação, aquela dissolução dos
laços de solidariedade social, que desemboca no indiferentismo moral, no
individualismo egoísta e na criminalidade.
Por fim, à
dissolução da capacidade de julgamento moral seguiu-se a da ordem jurídica: o
novo projeto de Código Penal, invertendo abruptamente a escala de gravidade dos
crimes, consagrando o aborto como um direito incondicional, facilitando a
prática da pedofilia, descriminalizando criminosos e criminalizando cidadãos
honestos por dá-cá-aquela-palha, choca de tal modo os hábitos e valores da
população, que equivale a um convite aberto à insolência e ao
desrespeito.
Só o observador morbidamente ingênuo poderá enxergar nesses fenômenos um conjunto de erros e fracassos. Seria preciso uma constelação miraculosa de puras coincidências para que, sistematicamente, todos os erros e fracassos levassem sempre ao sucesso cada vez maior dos seus autores. Tudo isso parece loucura, mas é loucura premeditada, racional. É uma obra de engenharia.
Se há uma
obviedade jamais desmentida pela experiência, é esta: a desorganização
sistemática da sociedade é o modo mais fácil e rápido de elevar uma elite
militante ao poder absoluto. Para isso não é preciso nem mesmo suspender as
garantias jurídicas formais, implantar uma "ditadura" às claras. Já faz muitas
décadas que a sociologia e a ciência política compreenderam esse processo nos
seus últimos detalhes. Leiam, por exemplo, o clássico estudo de Karl Mannheim,
"A estratégia do grupo nazista" (no volume Diagnóstico do Nosso Tempo, ed.
brasileira da Zahar).
A fórmula é bem
simples: na confusão geral das consciências, toda discussão racional se torna
impossível e então, naturalmente, espontaneamente, quase imperceptivelmente, o
centro decisório se desloca para as mãos dos mais descarados e cínicos, aos
quais o próprio povo, atônito e inseguro, recorrerá como aos símbolos
derradeiros da autoridade e da ordem no meio do caos. Isso já está acontecendo.
A ascensão dos
partidos de esquerda à condição de dominadores exclusivos do panorama político,
praticamente sem oposição, nunca teria sido possível sem o longo trabalho de
destruição da ordem na sociedade e nas almas. Mas também não teria sido possível
se o caos fosse completo. O caos completo só convém a anarquistas de porão,
marginais e oprimidos. Quando a revolução vem de cima, é essencial que alguns
setores da vida social, indispensáveis à manutenção do poder de governo, sejam
preservados no meio da demolição geral.
Os campos
escolhidos para permanecer sob o domínio da razão foram, compreensivelmente, a
Receita Federal, o Ministério da Defesa e a economia. A primeira, a mais
indispensável de todas, porque não se faz uma revolução sem dinheiro, e ninguém
jamais chegará a dominar o Estado por dentro se não consegue fazer com que ele
próprio financie a operação. A administração relativamente sensata dos outros
dois campos anestesiou e neutralizou preventivamente, com eficiência inegável,
as duas classes sociais de onde poderia provir alguma resistência ao regime,
como se viu em 1964: os militares e os empresários. Cachorro mordido de cobra
tem medo de lingüça.
27 de dezembro de 2012
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio
12.12.2012
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