"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

A BASE ELEITORAL DE LULA


 
Todo mundo sabe que a base eleitoral do ex-presidente Lula, bem como a da sua sucessora, está nas filas de beneficiários das verbas do Fome Zero. Embora a origem do programa remonte ao governo FHC, o embrulhão-em-chefe conseguiu fundi-lo de tal maneira à imagem da sua pessoa, que a multidão dos recebedores teme que votar contra ele seja matar a galinha dos ovos de ouro.

No começo ele prometia, em vez disso, lhes arranjar empregos, mas depois se absteve prudentemente de fazê-lo e preferiu, com esperteza de mafioso, reduzi-los à condição de dependentes crônicos.
O cidadão que sai da miséria para entrar no mercado de trabalho pode permanecer grato, durante algum tempo, a quem lhe deu essa oportunidade, mas no correr dos anos acaba percebendo que sua sorte depende do seu próprio esforço e não de um favor recebido tempos atrás. Já aquele cuja subsistência provém de favores renovados todos os meses torna-se um puxa-saco compulsivo, um servidor devoto do "Padim", um profissional do beija-mão.

O político que faz carreira baseado nesse tipo de programa é, com toda a evidência, um corruptor em larga escala, que vive da deterioração da moralidade popular. É impossível que o crescimento do Fome Zero não tenha nada a ver com o da criminalidade, do consumo de drogas e dos casos de depressão. Transforme os pobres em mendigos remediados e em poucos anos você terá criado uma massa de pequenos aproveitadores cínicos, empenhados em eternizar a condição de dependência e extrair dela proveitos miúdos, mas crescentes, fazendo do próprio aviltamento um meio de vida.

Mas o assistencialismo estatal vicioso não foi o único meio usado pela elite petista para reduzir a sociedade brasileira a um estado de incerteza moral e de anomia. Na mesma medida em que se absteve de criar empregos, o sr. Lula também se esquivou de dar aos pobres qualquer rudimento de educação, por mais mínimo que fosse, para lhes garantir a longo prazo uma vida mais dotada de sentido.
 
Durante seus dois mandatos o sistema educacional brasileiro tornou-se um dos piores do universo, uma fábrica de analfabetos e delinqüentes como nunca se viu no mundo. Ao mesmo tempo, o governo forçava a implantação de novos modelos de conduta – abortismo, gayzismo, racialismo, ecolatria, laicismo à outrance etc. --, sabendo perfeitamente que a quebra repentina dos padrões de moralidade tradicionais produz aquele estado de perplexidade e desorientação, aquela dissolução dos laços de solidariedade social, que desemboca no indiferentismo moral, no individualismo egoísta e na criminalidade.
 
Por fim, à dissolução da capacidade de julgamento moral seguiu-se a da ordem jurídica: o novo projeto de Código Penal, invertendo abruptamente a escala de gravidade dos crimes, consagrando o aborto como um direito incondicional, facilitando a prática da pedofilia, descriminalizando criminosos e criminalizando cidadãos honestos por dá-cá-aquela-palha, choca de tal modo os hábitos e valores da população, que equivale a um convite aberto à insolência e ao desrespeito.

Só o observador morbidamente ingênuo poderá enxergar nesses fenômenos um conjunto de erros e fracassos. Seria preciso uma constelação miraculosa de puras coincidências para que, sistematicamente, todos os erros e fracassos levassem sempre ao sucesso cada vez maior dos seus autores. Tudo isso parece loucura, mas é loucura premeditada, racional. É uma obra de engenharia.
 
Se há uma obviedade jamais desmentida pela experiência, é esta: a desorganização sistemática da sociedade é o modo mais fácil e rápido de elevar uma elite militante ao poder absoluto. Para isso não é preciso nem mesmo suspender as garantias jurídicas formais, implantar uma "ditadura" às claras. Já faz muitas décadas que a sociologia e a ciência política compreenderam esse processo nos seus últimos detalhes. Leiam, por exemplo, o clássico estudo de Karl Mannheim, "A estratégia do grupo nazista" (no volume Diagnóstico do Nosso Tempo, ed. brasileira da Zahar).
 
A fórmula é bem simples: na confusão geral das consciências, toda discussão racional se torna impossível e então, naturalmente, espontaneamente, quase imperceptivelmente, o centro decisório se desloca para as mãos dos mais descarados e cínicos, aos quais o próprio povo, atônito e inseguro, recorrerá como aos símbolos derradeiros da autoridade e da ordem no meio do caos. Isso já está acontecendo.
 
A ascensão dos partidos de esquerda à condição de dominadores exclusivos do panorama político, praticamente sem oposição, nunca teria sido possível sem o longo trabalho de destruição da ordem na sociedade e nas almas. Mas também não teria sido possível se o caos fosse completo. O caos completo só convém a anarquistas de porão, marginais e oprimidos. Quando a revolução vem de cima, é essencial que alguns setores da vida social, indispensáveis à manutenção do poder de governo, sejam preservados no meio da demolição geral.
 
Os campos escolhidos para permanecer sob o domínio da razão foram, compreensivelmente, a Receita Federal, o Ministério da Defesa e a economia. A primeira, a mais indispensável de todas, porque não se faz uma revolução sem dinheiro, e ninguém jamais chegará a dominar o Estado por dentro se não consegue fazer com que ele próprio financie a operação. A administração relativamente sensata dos outros dois campos anestesiou e neutralizou preventivamente, com eficiência inegável, as duas classes sociais de onde poderia provir alguma resistência ao regime, como se viu em 1964: os militares e os empresários. Cachorro mordido de cobra tem medo de lingüça.
 
27 de dezembro de 2012
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio
12.12.2012

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