Um estudante acaba de ser assassinado no restaurante do Calabouço ! Há notícias de outros que foram espancados e desapareceram. Vamos ficar parados ? Não ! Todos à manifestação do dia 26 de junho, no centro!
Passeata dos 100 mil Lá estava eu, ano do grande funil terrorista que era o vestibular, virgem de política, reproduzindo nos cursinhos da Tijuca a convocação do movimento estudantil para o que seria a histórica Passeata dos 100 mil. Nas salas apinhadas, aquele frangote falante, cravejado de espinhas e voz insegura de adolescente, devia parecer uma figura meio exótica. A maioria estava preocupada mesmo é com fórmulas e bizus (alguém se lembra disso ?) para entrar na faculdade. Não importa. Eu estava feliz. Saí de nitritos e nitratos e nadei com a História. A primeira vez a gente não esquece.
Da passeata, me lembro do clima solidário, igualitário. Caminhamos pela avenida Rio Branco, saudados pelo papel picado que nos jogavam dos prédios, personalidades lado a lado com anônimos. Paulo Autran, Odete Lara, Tônia Carrero, Milton Nascimento, Torquato Neto e tantos outros não tinham qualquer privilégio. Vladimir Palmeira, líder estudantil e orador brilhante, hipnotizou a massa na Cinelândia.
Que diferença com as passeatas chapa branca dos royalties do petróleo ! Manifestantes trazidos de ônibus (sem a mais remota ideia do que fariam), ponto facultativo em repartições públicas, grande concentração de papagaios de pirata. Pior: tal como acontece no carnaval do sambódromo, criaram um cercadinho VIP para as celebridades, separado dos simples mortais por cordas e seguranças. Também a exemplo do carnaval, os VIPs ganhavam uma pulseirinha verde. Como ironizou o jornalista Elio Gaspari, é possível que em próximas passeatas se criem três classes: primeira, executiva e turista. É a forma de fazer política do atual governo fluminense e seus cúmplices de tantos partidos, priorizando holofotes midiáticos e comemorando gordas vantagens em Paris, lencinhos na cabeça e dancinhas surrealistas.
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EFEITOS COLATERAIS
Trinta anos depois do grande ato de resistência contra a ditadura, num gesto premonitório, o Partido dos Trabalhadores abalroa uma decisão soberana de seus militantes fluminenses e elimina a candidatura de Vladimir Palmeira ao governo do Rio. A intervenção impunha o apoio do partido ao Garotinho (!), símbolo do oportunismo, do atraso, do fisiologismo e da corrupção (Trabalho do vidente José Dirceu). Em nome de votos, prostituiu-se a construção de uma nova forma de entender e praticar política. Os efeitos colaterais, devastadores, jamais desapareceram.
Em 2002, as ruas voltaram a falar. E alto. Um impressionante movimento de massa, com grande mobilização, elegeu Lula presidente. Estava ali acumulado um imenso capital político, que, se bem utilizado, poderia desequilibrar a correlação de forças a favor do campo popular. A esquerda, mesmo que com algumas reservas, apoiou a coalizão que levou o companheiro ex-metalúrgico ao Planalto. No meio do caminho, porém, havia uma pedra, quero dizer, uma Carta aos Brasileiros. A partir dela, o tênis foi substituído pelo cromo alemão.
O PT lutou, pertinaz e caudalosamente, para sair das ruas, enrolar as bandeiras e fazer a política dos gabinetes. Aprendeu rapidamente a dominar a ginga da política burguesa, transformando a participação popular num ritual mecânico, que se resume a teclar um número, de tempos em tempos, na cabine eleitoral. Ritual que envolve caríssimos esquemas propagandísticos, de preferência oscarizáveis, e arquiteturas suspeitíssimas de financiamento.
Ajudou, melancolicamente, a despolitizar campanhas eleitorais, usando a linguagem da classe dominante, terceirizando militância, substituindo o debate público das questões estruturais por promessas tecnocráticas e ilusões economicistas. Perdeu, compreensivelmente, quadros históricos e de peso político e acadêmico. Mesmo em datas caras ao movimento operário, como o 1º de maio, seu comportamento é lamentável, espetacularizando a memória de um evento trágico e que é, ou deveria ser, referência para uma pedagogia consistente sobre a luta de classes. Comete o terrível equívoco que ajudou a destruir a experiência soviética: confunde partido com governo.
Há motivos de sobra para ir às ruas. Desde o descalabro da saúde pública às chamadas pequenas questões cotidianas. As lideranças petistas, no entanto, aderiram, faz tempo, ao burocratismo economicista. Nesse aspecto, seguem o figurino, e é muito triste constatar isso, de certo discurso da época da ditadura militar.
Dou dois exemplos, relacionados à educação. Em recente discurso a sindicalistas, Lula mencionou, com orgulho, o grande aumento do número de vagas nas universidades durante a gestão petista. Uau, diriam os apologistas. Devagar com o andor. O MEC acaba de suspender o vestibular para 207 cursos por má qualidade. Também foram anunciadas restrições para o ingresso de estudantes em 185 instituições de ensino superior que tiveram mau desempenho em avaliações do ministério. A greve dos profissionais de ensino em 2012, uma das maiores da história sindical, tinha, entre outras motivações, a melhoria da qualidade de ensino (assunto que passou longe do ex-presidente).
Outro caso. O último exame do CREMESP – Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo reprovou quase 55% dos formandos. Eles acertaram menos de 60% das questões, resultado "preocupante" para um dos dirigentes do Conselho, já que indica problemas na formação e incapacidade para exercer a medicina com boa qualidade. Despejar números não é suficiente, enfim, para compreender a realidade. (Nºs reluzentes, realidade decadenta)
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DESPOLITIZAÇÃO
Depois do julgamento do mensalão, surgem vozes dentro do PT a falar no retorno às ruas. Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, convocou a militância para defender, nas ruas, o companheiro ex-metalúrgico e o PT. Ele está convencido de que "o povo vai se mobilizar em defesa do nosso Lula, do nosso projeto". José Dirceu, condenado a quase onze anos de cadeia por formação de quadrilha e corrupção ativa, declarou ter sugerido que "fizéssemos uma manifestação em fevereiro, colocando 200 mil pessoas na rua". Conversou com Lula sobre a necessidade de estimular uma "comunicação e uma cultura de esquerda no país".
Em tempo: falou com o homem errado. Lula já declarou que não é e nunca foi de esquerda. Chegou a comparar o esquerdismo a uma espécie de patologia senil. Luiz Inácio também já tornou pública sua preguiça para o estudo, "leitura é coisa chata". Esse voluntarismo messiânico, aliás, é ruinoso para a esquerda.
Depois de passar anos desprezando a mobilização popular e tendo renunciado à educação política das massas, o PT estaria redescobrindo o poder das ruas ? Dois filhotes dessa dúvida:
a) Isso aconteceria caso alguns de seus quadros importantes não tivessem sido condenados pelo STF ? Em outras palavras: a "esquerdização" não obedece apenas a uma circunstância ?
b) É possível ressuscitar uma militância acomodada e que se habituou a louvações, caça a conspiradores e ordens de cima ?
2013 promete.
27 de dezembro de 2012
Jacques Gruman (Carta Maior)
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