Em andrajos, quase todos descalços, e já
tarde da noite, procuravam um hospital qualquer em que a moça pudesse ter sua
criança.
Uma patrulha da polícia ainda tentou ajudá-los, mas, naquele tempo, com os retirantes sem documentos e sem dinheiro, os poucos hospitais negaram ajuda.
Os andarilhos foram devolvidos à estrada rumo a Belo Horizonte, situada a mais de 400 quilômetros. Tão logo a polícia os deixou, as dores do parto se abreviaram.
De volta à cidade, encontraram o parque de exposições agropecuárias com o portão encostado, e sob inesperada tempestade naquele verão inclemente, não conseguiram chegar às baias, onde, sob a guarda de vaqueiros, os animais dormiam, esperando a manhã. A manhã de Natal.
No pátio da exposição, uma árvore antiga, de copa tupida, era o único abrigo, sob a qual a moça teve seu filho. Como chovesse e ventasse forte, e a mãe estivesse desnutrida, faminta, a criança nasceu choramingando, sem forças.
Os vaqueiros perceberam o que ocorria, e, juntos, levaram a família a um hospital, comprometeram-se a custear a assistência. Já era tarde. A criança não resistira ao frio, aos seios secos, ao desprezo dos que negaram abrigo aos pais.
Alimentaram a mãe com soro, e a deixaram dormir na enfermaria. O jornal da cidade soube do fato, e com sua intervenção, a moça continuou internada, até recompor-se um pouco do parto, e voltar com sua família à estrada.
A moça disse ao repórter que estava muito triste. Como estavam no Natal, ela e seu companheiro, também ainda na adolescência, queriam dar à criança, se fosse homem, o nome de Jesus. Se fosse mulher, o nome de Maria.
Os fatos ocorreram há 34 anos, e deles me lembro bem. Na época, eu dirigia a Sucursal da Folha de S. Paulo, em Belo Horizonte, e recebi a informação do “Jornal de Montes Claros”, que ainda circulava. Redigi a matéria, como uma notícia comum, e a enviei, sem assinatura, ao meu jornal, que a publicou sem destaque. Muito mais tarde soube que a nota, redigida às pressas, ajudara a inspirar a Campanha da Fraternidade da Igreja, com o lema de “Para onde vais”, um ano depois.
Aquele Jesus morreu no sertão mineiro, ao nascer. Outros continuam a morrer, perdendo a trilha de seu destino, nas vésperas de todos os natais, na Palestina, na Síria, no Paquistão, nos arredores de São Paulo – e em nossos ressequidos sertões brasileiros.
(do Blog do Santayana)
27 de dezembro de 2012
Mauro Santayana
Uma patrulha da polícia ainda tentou ajudá-los, mas, naquele tempo, com os retirantes sem documentos e sem dinheiro, os poucos hospitais negaram ajuda.
Os andarilhos foram devolvidos à estrada rumo a Belo Horizonte, situada a mais de 400 quilômetros. Tão logo a polícia os deixou, as dores do parto se abreviaram.
De volta à cidade, encontraram o parque de exposições agropecuárias com o portão encostado, e sob inesperada tempestade naquele verão inclemente, não conseguiram chegar às baias, onde, sob a guarda de vaqueiros, os animais dormiam, esperando a manhã. A manhã de Natal.
No pátio da exposição, uma árvore antiga, de copa tupida, era o único abrigo, sob a qual a moça teve seu filho. Como chovesse e ventasse forte, e a mãe estivesse desnutrida, faminta, a criança nasceu choramingando, sem forças.
Os vaqueiros perceberam o que ocorria, e, juntos, levaram a família a um hospital, comprometeram-se a custear a assistência. Já era tarde. A criança não resistira ao frio, aos seios secos, ao desprezo dos que negaram abrigo aos pais.
Alimentaram a mãe com soro, e a deixaram dormir na enfermaria. O jornal da cidade soube do fato, e com sua intervenção, a moça continuou internada, até recompor-se um pouco do parto, e voltar com sua família à estrada.
A moça disse ao repórter que estava muito triste. Como estavam no Natal, ela e seu companheiro, também ainda na adolescência, queriam dar à criança, se fosse homem, o nome de Jesus. Se fosse mulher, o nome de Maria.
Os fatos ocorreram há 34 anos, e deles me lembro bem. Na época, eu dirigia a Sucursal da Folha de S. Paulo, em Belo Horizonte, e recebi a informação do “Jornal de Montes Claros”, que ainda circulava. Redigi a matéria, como uma notícia comum, e a enviei, sem assinatura, ao meu jornal, que a publicou sem destaque. Muito mais tarde soube que a nota, redigida às pressas, ajudara a inspirar a Campanha da Fraternidade da Igreja, com o lema de “Para onde vais”, um ano depois.
Aquele Jesus morreu no sertão mineiro, ao nascer. Outros continuam a morrer, perdendo a trilha de seu destino, nas vésperas de todos os natais, na Palestina, na Síria, no Paquistão, nos arredores de São Paulo – e em nossos ressequidos sertões brasileiros.
(do Blog do Santayana)
27 de dezembro de 2012
Mauro Santayana
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