Se não fosse pela vitória do Corinthians no Japão... Se não fosse pela excursão a Paris e Barcelona no papel de estadista e conselheiro de uma Europa em crise, a semana teria sido um inferno astral para Lula.
A um oceano de distância, ele viu sua ex-secretária íntima Rosemary Rose Rosa ser indiciada por formação de quadrilha. Lula também leu trechos do depoimento dado em setembro por Marcos Valério à Procuradoria-Geral da República, revelados pelo jornal O Estado de S. Paulo. As acusações, graves, passam a ser diretas a ele.
Valério agora diz que Lula pessoalmente deu “ok” para bancar o mensalão. Que ele, Valério, providenciou o pagamento de despesas pessoais de Lula. Que Lula negociou um repasse de R$ 7 milhões da Portugal Telecom para o PT. Que o PT pagou milhões para calar chantagistas. Que o PT desembolsou milhões para pagar o advogado dele, Valério, no julgamento do STF. E que o assessor de Lula, Paulo Okamotto, o ameaçou: “Ou você se comporta ou morre”.
Se Valério inventou tudo isso para reduzir sua pena, é louco varrido.
Pode ser.
No lugar de Lula, eu processaria Valério por calúnia e difamação. Exigiria uma profunda investigação. É ou não uma injustiça o que estão fazendo com o ex-presidente? A reação de Lula foi monossilábica na Europa. “Não vou responder a mentiras.” “Perguntem a ele (Valério).” Nenhum sinal público de indignação. Se Lula for inocente, por que deveria se preocupar, não é mesmo? Afinal, Valério, que tantos serviços prestou ao PT, hoje é carta fora do baralho. Nenhum dos réus teve pena tão alta quanto ele: mais de 40 anos de prisão.
Quem é o publicitário condenado como operador do mensalão – um crime que não existiu e foi uma farsa, segundo o “PR” Lula e o “JD” Zé Dirceu?
Ele é o mentor e chefão do Mal? Quem é Marcos Valério? “Um delinquente”, segundo Marco Aurélio Garcia, assessor de Dilma. “Um criminoso”, disse o presidente da Câmara, Marco Maia. “Um canalha”, nas palavras do ex-deputado que denunciou o esquema, Roberto Jefferson, condenado a sete anos de prisão. “Um oportunista”, afirmou o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência. “Um desesperado”, disse o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. “Sem credibilidade”, segundo o líder do governo no Senado, Eduardo Braga.
Duas procuradoras da República já afirmaram que o testemunho de Valério é cheio de contradições e inconsistências.
E o PT não quer desmascarar esse “delinquente-criminoso-canalha-oportunista-desesperado”? Não, o PT está preocupado com a “imprensa”, que investiga escândalos e divulga aspas. O partido já voltou a falar em “marco regulatório” – em português corrente, controle do conteúdo da mídia.
A nota do PT elege a mídia como alvo. “A Direção Nacional lamenta o espaço dado pela imprensa para as supostas denúncias assacadas pelo empresário Marcos Valério. (...) Uma sucessão de mentiras envelhecidas, todas elas já claramente desmentidas.” Segundo o PT, Valério se coloca “a serviço do processo de criminalização movido por setores da mídia e do Ministério Público contra o PT e seus dirigentes”.
Existe uma turma que demoniza Lula e não consegue enxergar os avanços sociais e econômicos de seu governo. Existe outra turma que santifica Lula e não admite sequer a hipótese de levantar suspeitas contra ele.
É evidente que a verdade está no meio do caminho. Há uma minoria que não nega a contribuição de Lula para a redução da pobreza e para o desenvolvimento do país, mas quer uma investigação cautelosa e profunda sobre seu papel no mensalão.
O homem Lula não é demônio nem santo. Dilma entrou na onda da Inquisição ao reclamar de uma “caça às bruxas”. Ou seria ao bruxo?
Em Paris, Lula cometeu gafe dupla ao dizer: “Quando político é denunciado (no Brasil), a cara dele sai nos jornais. Sabe por que banqueiro não aparece? Porque é quem paga a publicidade dos jornais”. Ai, ai, ai, Lula... Isso não é verdade. Vários banqueiros foram presos e algemados em tempos recentes no Brasil. E para que criar problema com os bancos, que tiveram um lucro líquido recorde em seus dois mandatos?
Guerra de palavras não leva a lugar nenhum. Sem provas, tudo é balela e falácia.
Só não entendo quem desqualifica Valério com a pergunta: “Por que não falou antes?”. Ora, se era bandido – como até o PT admite agora –, por que denunciaria todos os que tinham o compromisso de protegê-lo? Quem, em 2005, poderia prever o julgamento que aconteceu neste histórico ano de 2012?
Com amigos como Valério, Jefferson, Rosemary e Cachoeira – e vários políticos da base aliada –, o PT não precisa mesmo de inimigos.
O PSDB que se cuide. Vem mais moralização por aí. Quem protege bandido, bandido é...
21 de dezembro de 2012
Ruth de Aquino, Revista Época
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