Thor a 135 por hora…
Thor, 1%, para usar a expressão consagrada no protesto Ocupe Wall St, anda num carro de quase 3 milhões de reais, uma McLaren.
As multas por excesso de velocidade que Thor recebeu no período “probatório”, em que o motorista é testado logo depois de receber carteira de motorista, deveriam tê-lo impedido de dirigir. Mas regras no Brasil não costumam ser aplicadas para o 1%.
A família de Thor tem dinheiro e as conexões que isso traz: não há muito tempo, o governador do Estado tomou carona no helicóptero do pai de Thor, um homem cuja maior ambição não é ser o homem mais sábio do mundo, ou o mais feliz, ou o mais generoso — e sim o mais rico, um recordista de moedas.
E Wanderson na bicicleta…
Wanderson é o 99%. Bicicleta em vez de McLaren, e não por modismo ou por consciência ecológica. Simplesmente por necessidade. Feio por não ter a boniteza outorgada pelo dinheiro: não poderia comprar o corpo de jogador de rugby adquirido por Thor com duas horas de exercícios diárias, e nem as roupas, e nem os produtos de beleza. Pobre não pode aspirar a grandes feitos estéticos, e nem pequenos, para ser franco.
Contra todas as probabilidades, Thor e Wanderson, com suas vidas paralelas e opostas, acabaram se encontrando numa noite de sábado, numa estrada. Foi um encontro rápido. Thor em sua McLaren e Wanderson em sua bicicleta. Thor mal viu Wanderson. Salvo em circunstâncias excepcionais, os 99% são invisíveis.
No final da reunião relâmpago, Wanderson estava em pedaços, destruído pela McLaren. A imprudência, segundo o pai de Thor, foi de Wanderson. Não há surpresa nisso porque no Brasil a culpa sempre foi dos 99%.
E agora Thor retoma sua vida de herdeiro enquanto Wanderson lentamente vai desaparecendo de nossas mentes e de nossas conversas até ser devolvido à miserável invisibilidade em que esteve imerso até o breve encontro de sábado à noite.
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O texto acima foi publicado em março deste ano, logo depois do atropelamento e morte de um ciclista pobre por Thor, filho do magnata Eike Batista. Hoje, numa audiência na justiça, apareceu um laudo oficial segundo o qual Thor andava a 135 km por hora quando colheu o ciclista.
Quando escrevi o texto, Thor negava excesso de velocidade, e seu pai transferia a culpa para o ciclista. Relendo-o, notei o vaticínio de que Thor retomaria sua vida de playboy enquanto Wanderson lentamente desapareceria de nossas conversas e de nossas preocupação.
É a ele, Wanderson, que dedico esta republicação
21 de dezembro de 2012
Paulo Nogueira (Diário do Centro do Mundo)
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