A tentativa de derrubar, na Câmara, uma liminar do Supremo foi pretexto para cenas que não combinam com a seriedade das instituições
O que chegou a ser anunciado como uma crise entre poderes desembocou, quarta-feira, em um ato que assumiu aspectos farsescos. Tudo consequência do açodamento com que grupos numerosos de parlamentares lançaram-se à tentativa de derrubar, de qualquer modo, o veto imposto pela presidente Dilma Rousseff ao artigo 3º da lei dos royalties do petróleo.A presidente Dilma vetara o artigo da lei que modifica a divisão dos recursos dos campos de petróleo já licitados, por considerar que essa mudança implicava a quebra de contratos em plena vigência. Contra essa decisão levantou-se a parte do Congresso ligada basicamente aos estados não produtores; e assim se aprovou, na semana passada, requerimento que pretendia estabelecer um rito sumário de apreciação do veto pelo plenário da Câmara.
Já estava preparada a votação para terça-feira desta semana, convocada pelo presidente do Senado com apoio das lideranças partidárias. Mas entraram em ação as bancadas dos estados produtores, e o ministro Luís Fux, do STF, concedeu liminar determinando que vetos vindos da Presidência da República fossem examinados na ordem cronológica de sua efetivação.
Nisso não havia nada de novo ou de esdrúxulo. Foi o próprio Congresso, em 2001, que aprovou inovação constitucional de 30 dias de prazo para a apreciação de vetos presidenciais a textos de projetos aprovados pelo Legislativo. Não sendo cumprido esse prazo, ficaria bloqueada a pauta de votações. Essas normas não foram levadas a sério, e com isto acumularam-se 3.059 vetos aguardando votação.
Ao conceder a liminar, o ministro Fux louvou-se no artigo 66 da Constituição, que determina a apreciação de vetos presidenciais em sua ordem de sua apresentação.
Foi então que surgiu a ideia notável que presidiu à sessão de quarta-feira na Câmara: apreciar em sequência, numa mesma sessão, os 3.059 vetos em pauta. Cada deputado e senador recebeu um impresso, de 463 páginas, com todos os vetos, podendo marcar “sim”, “não” ou abstenção. Foram confeccionadas urnas enormes, capazes de comportar as cédulas. Nessa votação, entrariam de roldão tanto assuntos realmente insignificantes como temas da maior relevância como o Código Florestal e o fator previdenciário.
Onde está a seriedade disso? A quem se quer iludir? É este o anunciado “conflito de poderes”? Ganhou-se tempo para um exame mais desapaixonado do assunto. Haverá tempo de lideranças parlamentares fazerem uma autocrítica da postura omissa que tiveram diante da armação tão evidente.
Nesse quadro, o Congresso não pode reclamar da “judicialização” da política. O Judiciário fez a sua parte. Cabe ao Legislativo agir com a mesma seriedade.
21 de dezembro de 2012
Editorial de O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário