"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

NO BRASIL, MADOFF ESTARIA EM CASA, COM PENA MÍNIMA E RECEBENDO A SOLIDARIEDADE DE AMIGOS... OU: TUDO CERTO E NADA NO LUGAR!

 
O ministro Joaquim Barbosa, como escrevo no post anterior, fez a coisa certa, sim, mas isso não quer dizer que as coisas estejam muito certas no país, não. As leis, mesmo as ruins, têm de ser cumpridas. Mas, por ruins, precisam ser mudadas.
O escândalo do mensalão veio à luz em 2005. A condenação só se deu sete anos e meio depois, e as penas, na melhor das hipóteses, serão cumpridas ali pelo fim do primeiro semestre de 2013: oito anos!!! Não se trata de acusar este ou aquele, mas é inegável que fatos assim significam um pacto com a impunidade.
 
Fico me lembrando do chororô de alguns ministros do Supremo, Ricardo Lewandowski em especial, com as supostas penas excessivas impostas aos réus do mensalão. Infelizmente, Marco Aurélio Mello também entrou nessa conversa mole.
José Antônio Dias Toffoli, num discurso com voos condoreiros, defendeu que criminosos do colarinho branco (não usou essa expressão) não sejam encarcerados — consoante, aliás, com um editorial infeliz da Folha. Para Toffoli, a pena pecuniária seria mais efetiva.
 
Como não vamos nos lembrar de Bernard Madoff? Em 2008, descobriu-se que aquele que era considerado o mago das finanças não passava de um picareta, de um trapaceiro, que fez vítimas mundo afora. Conheço gente aqui no Brasil que perdeu dinheiro — dinheiro legal, investido em fundos igualmente legais.
 
Pena pecuniária? Um processo que se arrasta por anos? Não! Nada disso! Diante das evidências, foi preso ainda em 2008, condenado — Lewandowski vai ficar chocadíssimo! — a 150 anos de prisão. Seus bens foram tornados indisponíveis. Estivesse no Brasil, como tinha feito 70 anos em 2008, cumpriria a pena em casa. Em Banânia, considera-se que canalha não fica de cabelo branco… Um irmão da Madoff, com 67 anos, foi condenado a 10 anos.
 
Atenção! Madoff era um filantropo exemplar. No Brasil, tentariam usar tal fato para livrar a sua barra e ainda atribuiriam a decisão ao modelo trifásico de Nelson Hungria, coitado!, pau pra toda obra. Afinal, na primeira das fases, ao definir a pena-base, é preciso levar em conta:

Antecedentes;
Conduta social;
Personalidade;
Motivos do crime;
Circunstâncias do crime;
Consequências do crime;
Comportamento da vítima.
 
Vamos ver.
Antecedentes – Os de Madoff eram excelentes. Parte do que ganhou no mercado financeiro, aplicou em obras sociais.
Conduta social – Um verdadeiro príncipe. Conhecido pela simpatia e lhaneza no trato.
Personalidade – Agradável, gentil, sempre disposto a dar uma palavra amiga.
Motivos do crime – É, pode-se dizer que foi a ganância, mas também se podem acusar a falta de regulação dos mercados, a leniência de sucessivos governos…
Circunstâncias do crime – O ambiente do vale-tudo no mercado; criou-se a sensação de que tudo era possível.
Consequências do crime – Um monte de gente perdeu dinheiro, mas todos sabiam que era operação de risco.
Comportamento da vítima – No mínimo, cúmplice; afinal, os que caíram na conversa deveriam ter se indagado por que investir com Madoff era muito mais vantajoso.
 
Que tal? Fico cá a imaginar Ricardo Lewandowski a pedir para Madoff, dado esse quadro, a pena mínima… Durante a dosimetria, eu quase contrato alguns réus para me dar aulas de educação moral e cívica…
 
Atenção! Madoff só lidava com dinheiro privado. No Brasil, essa modalidade de safadeza quase não existe; tem importância marginal. Por aqui, os canalhas roubam mesmo é dinheiro público. Eles o empregam até para financiar seus prosélitos. “Ah, mas olhe o tamanho da crise que ele provocou…”. Isso é besteira, é evidente.
A fraude foi gigantesca, mas um copo d’água na tempestade quando se considera o conjunto. E daí? Madoff foi um dos pegos com a boca na botija. E pagaria por isso ainda que tivesse 90 em vez de 70…
É evidente que o país não pode continuar a esperar oito anos para mandar larápios para a cadeia.
 
Difamação da JustiçaA meu juízo, não havia, dadas as leis brasileiras, motivos para decretar a prisão preventiva dos réus. Mas isso não significa, lembro de novo, que José Dirceu em particular esteja tendo um comportamento aceitável para um condenado.
 
Basta ver o que anda dizendo e as correntes que anda alimentando. Liberdade de expressão não se confunde com difamação da Justiça e com desacato, um tipo do Código Penal. Por muito menos do que anda dizendo sobre juízes do Supremo, um guarda de trânsito o enquadraria.
 
Se ele tem o direito de mover esse tipo de campanha contra o Judiciário, então todos os outros condenados do Brasil também têm. Acusar juízes do Supremo de promover julgamento de exceção, de ignorar os autos, de agir com preconceito, de atender a interesses subalternos etc. constitui, obviamente, difamação da Justiça.
A menos que apresente as provas, coisa que seus advogados podem fazer a qualquer tempo. Nesse caso, então, pediremos o impeachment de ministros do Supremo.
Estão querendo levar o debate sobre a Justiça para a sarjeta.
 
 21 de dezembro de 2012
Por Reinaldo Azevedo

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