Revolucionários
nunca tiveram objetivo no campo democrático. Sem ideias, só personalismo e, como
mostra Marighella, ação terrorista e violência. Para
quê?
O recém-lançado livro "Marighella: o Guerrilheiro que Incendiou o Mundo" (Companhia das Letras), de Mário Magalhães, permite uma série de reflexões sobre a esquerda brasileira.
Isso
porque o autor fez uma pesquisa exemplar, exaustiva. Focou -e não poderia ser
diferente, sendo uma biografia- a vida pessoal e política de Carlos Marighella,
desde seu nascimento, em Salvador, até sua morte, em São Paulo.
Ao
longo dos 58 anos da vida de Marighella, o leitor percorre o caminho tortuoso da
esquerda sempre à procura de um farol, de uma Roma vermelha: começando em
Moscou, passando por Pequim, depois Havana, Tirana e, quem diria, mais
recentemente, Caracas. Viveu de descobertas e, principalmente, de desilusões. E
acabou perdendo a possibilidade de entender o Brasil.
Não
é acidental que a esquerda revolucionária tenha sido derrotada em todas as
batalhas políticas. Restou obter vitórias no campo ideológico e construir mitos,
despolitizando-os e transformando-os em heróis, mas heróis fadados ao fracasso.
Na falta de ideias, sobrou o culto personalista.
A
iniciação política de Marighella teve início durante o primeiro governo Vargas.
Logo conheceu a prisão e a barbárie dos torturadores. Ficou muitos anos preso.
Com
a anistia de 1945 e a legalização do Partido Comunista, foi eleito deputado
constituinte pela Bahia. Dois anos depois, perdeu o mandato e o PC foi novamente
perseguido. Viveu em São Paulo como militante profissional. Como todos
comunistas da sua geração, tinha em Stálin e em Luís Carlos Prestes os modelos a
serem seguidos.
Seu
momento de inflexão política foi em 1964. Criticou a estratégia do PCB. Da
crítica, chegou ao rompimento e à fundação da Ação Libertadora Nacional.
A
ALN recusava qualquer luta política. Diz Marighella:
"O dever de todo
revolucionário é fazer a revolução; o segundo é que não pedimos licença para
praticar atos revolucionários; e o terceiro é que só temos compromissos com a
revolução". Escreveu que o "conceito teórico" que o guiava "é o de
que a ação faz a vanguarda" e que "a ação é a
guerrilha".
A
trajetória de Marighella entre os anos 1964 e 1969, parte mais importante do
livro, reforça a negação da política em uma guerra aberta contra o regime
militar.
O
que não se vê é qualquer ato de busca de apoio popular, de organização, de
traçar algum objetivo no campo democrático. Tudo se resume à ação terrorista, à
violência. E a cada ação, maior o isolamento.
O
máximo de atividade efetivamente política nos atentados, sequestros ou assaltos
a bancos são os panfletos atirados logo após alguma "ação
revolucionária".
Marighella
passou os últimos cinco anos da sua vida como a maior parte dos anteriores:
fugindo, se escondendo dos seus perseguidores.
Depois
de tantas fugas, sacrifícios, sem vida pessoal plena, em meio à violência e ao
sadismo da repressão militar, ficam algumas (incômodas?) perguntas: para que
tudo isso? É a busca do martírio? É a tentativa de colocar seu corpo para o
sacrifício ritual da revolução? Anos e anos fugindo produziram o quê? O que, do
pouco que escreveu, poderia ficar para a construção do Estado democrático de
Direito? Que ideia serviria para nortear a consolidação da democracia e do
respeito aos direitos humanos?
É
difícil, muito difícil, encontrar alguma resposta positiva.
A
trajetória de vida do revolucionário baiano serve para refletir como as ideias
democráticas tiveram enorme dificuldade de prosperar no Brasil. E mais: mostra
como avançamos nos últimos 25 anos enfrentando o autoritarismo histórico das
elites políticas. Principalmente quando observamos o século 20 brasileiro,
marcado pela negação da política e pela exaltação da violência.
MARCO ANTONIO VILLA, 56, é historiador, professor da Universidade Federal de São Carlos e autor, entre outros, de "Mensalão: o Julgamento do Maior Caso de Corrupção da História Política Brasileira
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