"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 26 de janeiro de 2013

A AMAZÔNIA E A "MARCHA DA INSENSATEZ" - III

 

O artigo é continuação dos anteriores - “Amazônia e a ‘Marcha da Insensatez’ I e II”. O título remete ao livro da historiadora Barbara Tuchman, escrito na década de 1980, pois insensata é a política governamental naquela região desde os anos 1990.

O texto contem extratos do artigo “Amazônia: vulnerabilidade, cobiça, ameaça”, que publiquei em revistas de defesa nacionais e estrangeiras, podendo ser acessado na Internet. A 1ª versão é de 2006, portanto, antes da adesão do Brasil à Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas (ONU 2007), que agravou a ameaça. Este texto tem algumas atualizações.

“Um vazio de poder como o da Amazônia não será permanente. Será ocupado pelo Brasil ou por outra potência, coalizão ou organismo internacional. A soberania compartilhada não será resultado de invasão, conquista ou ação militar direta em toda região. A pressão internacional, por meio de ações sucessivas em todos os campos do poder, com apoio de grupos nacionais, comprometeu a nossa soberania, a partir do início dos anos 1990.

Chegará o momento em que haverá condições objetivas para uma ‘resolução’ ou ‘declaração’ de potência, coalizão ou organismo internacional, no sentido de impor a soberania compartilhada na região. Tais condições estão sendo criadas, principalmente, em Roraima, agravadas pela sua posição geoestratégica mais exposta que o arco fronteiriço a oeste e ao sul da Amazônia.

Não é provável uma invasão total da Amazônia, pois seria praticamente inviável e muito oneroso. Soberania compartilhada deve ser entendida como a posse nominal pelo Brasil, arcando com o ônus da administração, mas permitindo que a maior parte dos bônus das riquezas fique com a ‘comunidade internacional’, leia-se as grandes potências.

A integração da América Latina, onde se insere a América do Sul, é um objetivo nacional constante na Constituição Federal (Título I, Art. 4º). O Brasil tem um importante papel nessa integração, fruto de sua posição geopolítica nas Bacias do Prata e do Amazonas. No que diz respeito à América do Sul, a Amazônia Brasileira é o amálgama que une os países condôminos. Se o Brasil não exercer soberania plena sobre a sua região amazônica, não terá um papel decisivo no processo de integração, que poderá não se concretizar ou ser conduzido por outro ator.

A partir das vulnerabilidades do Brasil na região, da cobiça internacional e da nossa incapacidade de dissuasão militar, pode-se caracterizar o possível cenário de crise, em médio ou longo prazo, que passamos a descrever”.

[Início da descrição]. A necessidade de recursos estratégicos pelas potências dominantes trouxe à América do Sul novos atores poderosos como a China, a Rússia e a Índia. Os EUA, antes quase hegemônicos, perderam a condição de se impor em todo globo terrestre e não têm como impedir a projeção desses competidores em sua tradicional área de influência, embora ainda sejam a maior potência militar.
O Brasil, nesse contexto, tem dificuldade em exercer a liderança na UNASUL e muitos parceiros continentais, atraídos pelo poder de barganha dos novos atores, nem sempre apoiam o Brasil em seus contenciosos.

“Os recursos da Amazônia, muitos recentemente descobertos, são escassos no mundo e vitais para as grandes potências competidoras e seus aliados, como são os do Oriente Médio na atualidade”.

Os novos atores presentes no subcontinente passaram a ser, também, diretamente interessados na exploração vantajosa de nossos recursos, à revelia dos interesses brasileiros. A exemplo do que fizeram os Impérios contra a China no século XIX, ao invés de entrarem em conflito entre si, as grandes potências competidoras viram mais vantagem em entrar em acordo e impor ao Brasil condições compartilhadas de exploração de nossas riquezas.

“Desencadeiam intensa campanha mundial de modo a apresentar o Brasil como um País sem condições de gerir a Amazônia, preservar o meio ambiente, apoiar e proteger as populações indígenas e coibir o tráfico de drogas e outros delitos transnacionais.
Procuram mostrar a necessidade de ingerência internacional para assegurar o desenvolvimento sustentável da região e o aproveitamento de suas riquezas por ‘toda a comunidade de nações’, bem como para deter a destruição da floresta (‘pulmão do mundo’), que alegam ser uma das principais causas do aquecimento global.
As potências, coligadas ou não e com ou sem o aval da ONU, pressionam o Brasil nos campos político, psicossocial (propaganda adversa e guerra psicológica), econômico (boicote) e científico-tecnológico (boicote), aplicando a estratégia indireta, a fim de serem atendidas em seus interesses sem a necessidade de empregar o poder militar.
 
O Governo resiste a essas pressões, que comprometem a soberania nacional, e sofre a escalada dos boicotes e da propaganda adversa a que se soma, agora, a ameaça, no campo militar, de ocupação, bloqueio ou destruição de áreas estratégicas sensíveis do território nacional, não necessariamente na Amazônia. Tentam, assim, evitar uma intervenção com tropa, por considerar o elevado custo da invasão”. [Fim da descrição].

O desfecho desse cenário pode ser um conflito armado. Ao militar e ao diplomata cabe a responsabilidade de identificar ameaças potenciais ao país, a fim de que se tomem hoje as medidas necessárias para impedir que elas se tornem concretas amanhã. Relações exteriores envolvem, além de outras instâncias, tanto diplomacia quanto defesa nacional.
 
Se a Nação desconsidera ou despreza a possibilidade de conflitos em que o poder militar deva ser empregado de forma direta ou indireta, se crê que eles possam ser solucionados sem perdas apenas pela diplomacia, então para que Forças Armadas, com os custos que elas impõem? Uma ameaça deve ser visualizada antes de ser vista, pois se um país quiser “ver para crer”, será tarde demais.

Defesa não se improvisa!
26 de janeiro de 2013
Luiz Eduardo Rocha Paiva, General da Reserva, é Professor emérito e ex-comandante da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.

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