"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 26 de janeiro de 2013

A AMAZÔNIA E A "MARCHA DA INSENSATEZ" - IV

 

O artigo é continuação dos anteriores - “Amazônia e a ‘Marcha da Insensatez’ I, II e III”. O título remete ao livro da historiadora Barbara Tuchman, escrito na década de 1980, pois insensata é a política governamental naquela região desde os anos 1990.

No texto anterior, foi apresentado um possível cenário de conflito, no futuro, que poderia levar ao emprego do poder militar nacional, para a defesa da soberania e integridade territorial. O futuro é imprevisível. Ontem, o tabuleiro dos conflitos parecia se restringir ao Oriente Médio e aos Bálcãs. Agora, se estende pela Ásia Central, África, segue para o Pacífico e lança sementes na América do Sul. É a globalização intensificada, que trouxe novos atores poderosos para o entorno brasileiro e o norte-americano.

O direito é filho do poder, mas essa máxima não é percebida por muitas nações. Assim, se um país é ingênuo a ponto de desprezar a eventual aplicação do poder militar, ainda que prioritariamente de forma dissuasória, por confiar cegamente na diplomacia e no direito internacional, melhor faria se transformasse suas Forças Armadas em guarda nacional.

Uma guarda nacional não precisa de submarinos, fragatas, caças, defesa antiaérea, mísseis e forças blindadas, portanto, haveria uma grande economia de recursos. Porém, o provável custo em perda de soberania, patrimônio e dignidade nacional não sensibiliza lideranças políticas como a brasileira, nacionalista apenas no discurso, pois a ação é internacionalista, dobrando-se a interesses econômicos e geopolíticos de potências globais.

Num conflito militar, seria praticamente inviável a invasão e ocupação de uma ampla fatia do território nacional, mesmo por uma potência global seja isolada ou em coalizão. O Brasil, ao menos territorialmente, é inconquistável por ser um país “baleia”, como mostrou a história na Rússia e na China.

A imposição de interesses alienígenas na Amazônia não implica, necessariamente, uma ação militar em toda a região, pois o custo em recursos humanos e materiais seria muito alto. Mas o agressor poderia infligir danos militares à nossa infraestrutura estratégica e bloquear ou ocupar temporariamente áreas limitadas do território até o País aceitar um acordo com imposições do interesse do agressor ou de uma coalizão.

Como exemplo, a ocupação temporária da bacia petrolífera de Campos, da hidroelétrica de Itaipu ou uma ameaça de danos à infraestrutura estratégica, particularmente, no sudeste. Qual seria a atitude do governo e da Nação diante da ameaça ou concretização de um “apagão” de combustível e energia que paralisasse o Brasil?

Existem áreas como o Atlântico Sul e outras de elevada importância para a defesa nacional. Mas, especificamente na Amazônia e no que concerne ao aspecto operacional da defesa externa, a área prioritária é a Calha Norte do Rio Amazonas, de Roraima à sua foz (Amapá e norte do Pará), com uma área passiva entre Roraima e o Amapá.

O miolo da região amazônica é, também, uma imensa área passiva praticamente inaccessível, sem objetivos estratégicos e de difícil apoio para a sobrevivência de uma força invasora. A faixa de fronteiras ao sul, sudeste e noroeste da Amazônia é área secundária no que concerne à defesa externa. Não parece razoável que uma potência ou coalizão extrarregional opte por uma ação militar vinda do Oceano Pacífico, que dependa do aval de países vizinhos de origem ibérica, temerosos da ingerência em suas próprias “amazônias”; que implique uma logística difícil e cara, pela barreira dos Andes; e que chegue a áreas periféricas e não decisivas da Amazônia brasileira, propícias à guerra de resistência. A Calha Norte, ao contrário, tem como vizinhos a França (ou seja, a OTAN), o Suriname e a Guiana, países ainda muito ligados e sujeitos a pressões das antigas metrópoles europeias “otanianas”.

França, Grã-Bretanha e Holanda são três incentivadores da desnacionalização dos indígenas brasileiros e sua renacionalização em “nações indígenas” autônomas. A IV Frota e o Comando Sul dos EUA, um dos maiores financiadores de ONGs na Amazônia, estão na Flórida; e Roraima e a foz do Rio Amazonas são áreas sensíveis que, ocupadas, permitem isolar Manaus e a Calha Norte.

Ou seja, a região guianense é a “cabeça de ponte” para a OTAN na Amazônia, facilita as operações e a manutenção de forças de ocupação e tem motivações políticas mais fortes para uma coalizão de potências alienígenas. De posse dessa área, o agressor terá uma poderosa “moeda de troca” para impor a soberania compartilhada na Amazônia sem a necessidade de uma ampla e custosa invasão, cujos resultados seriam altamente incertos.

Soberania compartilhada não implica a posse do território, algo problemático pelas exigências de governança em um país estrangeiro, haja vista as ocupações no Iraque e Afeganistão. Significa a manutenção da posse do território pelo Brasil, mas sujeita ao cumprimento de normas estabelecidas por outros, seja a eventual coalizão ou organismo internacional sob sua influência. O Brasil teria o ônus de administrar, enquanto a maior parte do bônus seria destinada conforme imposições alienígenas. Uma desmoralização impossível de aceitar por patriotas.

O Brasil precisa desenvolver um Sistema Único de Defesa Antiacesso. Esse Sistema, interagindo com o Sistema Brasileiro de Inteligência, seria composto por subsistemas integrados de vigilância, com satélite brasileiro; defesa antiaérea; mísseis de longo alcance, com plataformas móveis terrestres, navais e aéreas tripuladas e não tripuladas; e por forças terrestres móveis para engajar o inimigo que acessasse os limites nacionais. O propósito seria neutralizar ou desgastar uma esquadra ou exército agressores enquanto ainda estivessem longe do litoral ou da fronteira oeste.

O próximo artigo versará sobre o Sistema Único de Defesa Antiacesso.

26 de janeiro de 2013
Luiz Eduardo Rocha Paiva, General na Reserva, é Professor emérito e ex-comandante da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

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