Prefeitos herdam cidades sucateadas por antecessores
Em alguns municípios pelo país, até os móveis sumiram; entidade estima que 70% das cidades não cumpriram Lei de Responsabilidade Fiscal
Jean-Philip Struck
Equipamentos sucateados encontrados em galpão da prefeitura de Holambra, interior de São Paulo. As finanças da cidade não estão em situação melhor (Divulgação/Prefeitura de Holambra)
A frase, atribuída ao ex-presidente americano Lyndon Johnson, é perfeitamente aplicável a alguns dos novos prefeitos brasileiros.
Depois da festa da vitória, os novos chefes do executivo de pequenos e médios municípios de estados como Pernambuco, Paraná e São Paulo têm percebido o tamanho da encrenca que assumiram ao encontrar a situação de “terra arrasada” deixada por seus antecessores, que, em vários casos, após serem derrotados, simplesmente abandonaram a administração.
A lista de problemas começa com prédios depredados, frota de veículos sucateada, corte de luz e água, salários atrasados e caixa vazio.
Em alguns municípios, o absurdo é ainda maior com o sumiço de móveis, documentos e computadores – o que impede que os novos prefeitos saibam de imediato até mesmo quantos funcionários trabalham na máquina pública.
“É como começar do zero”, diz a nova prefeita de Farol, cidade de 3.400 habitantes do norte do Paraná, Angela Kraus (PT do B).
Ela assumiu sem ter tido nenhum contato com a administração anterior – sua antecessora, que não elegeu seu candidato, vetou a formação de uma equipe de transição.
Quando entrou no prédio da prefeitura, Kraus percebeu que a gestão anterior havia criado mais de cem cargos comissionados e contratado 70 estagiários no pequeno município, que sobrevive da agropecuária.
Quase 10% da população trabalhava para a prefeitura. A frota de máquinas e ônibus estava toda com pneus em péssimo estado e havia um rombo de 2 milhões de reais nas contas – equivalente a 20% da receita anual. As contibuições dos funcionários para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) estão atrasadas desde setembro.
“Ela chegou ao ponto de devolver verbas de convênios com o governo estadual. Não queria apenas zerar o caixa, queria que ficássemos sem dinheiro para o ano seguinte”, diz Kraus.
Sem verba até para comprar gasolina, Kraus não tem nem usado o carro comprado pela administração da antecessora, Dirnei Cardoso (PMDB), conhecida como Dina.
O veículo, modelo Vectra, aliás, é um exemplo de como alguns políticos confundem a máquina pública com seus interesses pessoais: a placa (ADC 1707) foi alvo de investigação do Ministério Público em 2011.
O órgão não achou coincidência que as letras eram idênticas às iniciais de “Administração Dirnei Cardoso”, e os números correspondentes à data de aniversário da ex-prefeita: 17 de julho.
“Ainda vamos fazer boletim de ocorrência para cada uma das irregularidades. Fazemos questão de que ela seja responsabilizada”, diz a nova prefeita. Para ajudar estancar a crise financeira, a prefeita planeja devolver um portal instalado na entrada do município poucos dias antes da eleição, e que ainda não foi pago. “Ela não pagava o INSS desde setembro, mas encomendou um portal...”, afirma.
Sucata - Em São Sebastião da Bela Vista, município de pouco menos de 5.000 habitantes do sul de Minas Gerais, o novo prefeito, Augusto Hart Pereira (PT), resolveu expor em praça pública a situação em que encontrou a administração local.
Logo após tomar posse, Pereira mandou alinhar todos veículos da prefeitura na rua principal para que a população pudesse ver o estrago deixado pelo antecessor, José Wagner Ribeiro de Paiva (DEM), que não conseguiu se reeleger. A maioria dos carros e ônibus não está em condições de uso ou foi deixada sem o motor. Dos 36 veículos, 24 devem ser leiloados como sucata.
“Fizemos isso não tanto para denunciar o prefeito anterior, mas sim para que a população entendesse como vai ser difícil resolver os problemas”, disse Pereira.
Nas finanças, o cenário não é diferente: 1,5 milhão de reais encontrado no caixa já está todo empenhado para pagar dívidas. O INSS de servidores está atrasado e até mesmo a coleta de lixo não estava sendo feita nas últimas semanas da administração anterior.
Depredação - Em Holambra, famosa estância turística próxima a Campinas (SP), o descaso com o patrimônio chegou ao extremo. O novo prefeito, Fernando Godoy (PTB), se reuniu com a prefeita na sede do município uma vez após a eleição, mas sua antecessora, Margareti Groot (PPS), não autorizou a instalação de uma equipe de transição.
Ao assumir a prefeitura, veio a surpresa: quase todos os móveis, entre mesas, cadeiras e arquivos da prefeitura sumiram. O próprio prédio estava com salas sujas e paredes com sinais de infiltração. No gabinete do prefeito, o disco rígido do computador desapareceu. No pátio da prefeitura, o mato se espalhou entre carros e ônibus abandonados. E não é só: duas creches foram interditadas devido às más condições de higiene.
Segundo o prefeito, as dívidas da cidade somam 25 milhões de reais.
Fernando Godoy registrou um boletim de ocorrência na Polícia Civil. “Sabíamos que a situação da prefeitura estava difícil, já que ela não passou nenhum dado, mas levantamos algumas coisas no Tribunal de Contas. Agora, essa dos móveis provocou um susto”, diz.
Em entrevista coletiva dada logo após a posse, a ex-prefeita Margareti Groot disse que os móveis retirados haviam sido comprados por ela, com recursos próprios, para uso no período em que administrou a cidade. Por isso, declarou ter levado a mobília para casa. “O Godoy é leviano”, disse a ex-prefeita.
Severino - Entre os maus prefeitos que recentemente deixaram cidades em situação desoladora está o célebre ex-presidente da Câmara dos Deputados Severino Cavalcanti (PP).
Notável por acumular uma série de denúncias em sua curta passagem pela presidência da Casa, que só durou sete meses, em 2005, o “rei do baixo clero” foi eleito em 2008 prefeito de sua cidade natal, João Alfredo, no agreste pernambucano.
Quatro anos depois, após desistir da reeleição por ter sido enquadrado na Lei da Ficha Limpa, Severino deixou a administração sem pagar os salários de dezembro e com as contas do município bloqueadas na Justiça.
A nova prefeita, Maria Sebastiana (PTB), acusa ainda a administração de Severino de ter sucateado o hospital local, que está com alas completamente inutilizadas e a sala de cirurgia interditada.
Ela registrou boletins de ocorrência e acusa ainda Severino de ter deixado uma dívida de 2,7 milhões de reais.
As contas do município estão bloqueadas desde novembro. O Ministério Público acusou a administração de Severino de privilegiar o pagamento de fornecedores e atrasar salários.
No início desta semana, o Ministério Público voltou à carga contra o ex-prefeito e abriu uma investigação para apurar as supostas irregularidades da sua gestão, como o sucateamento do hospital. Severino não foi encontrado pela reportagem para comentar o caso.
Buraco - Em São Domingos, em Sergipe, o buraco deixado pela administração anterior não é só metafórico: quando entrou em um gabinete da prefeitura, o novo prefeito, Pedro da Silva (PT), encontrou um buraco de 12 metros no chão, semelhante a um poço, mas cuja utilidade até agora não ficou clara.
No fundo havia restos de papéis. Ele também se deparou com o mesmo problema de outras cidades: o sumiço quase total de documentos da administração anterior, que era comandada por José Robson Mecenas (PP), que não conseguiu se reeleger.
Até mesmo a posse foi conturbada. Logo após Silva assumir, vândalos apedrejaram e quebraram uma porta de vidro da sede da prefeitura.
Finanças - Muitas prefeituras não registraram casos tão absurdos, mas a maioria dos novos prefeitos está assumindo cidades com má saúde financeira.
O presidente da Confederação Brasileira de Municípios, Paulo Roberto Ziulkoski, afirma que, em 2012, pelo menos 70% dos 5.565 municípios brasileiros não conseguiram cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal.
“O trabalho de prefeito é tão complicado e pouco atraente para gente séria que acaba afastando os bons administradores, as pessoas mais capazes. Assim, muitos aventureiros e maus administradores acabem preenchendo o espaço”, disse Ziulkoski.
“As cidades não têm receita, já que quase tudo é arrecadado pelo governo federal, que não manda uma contrapartida justa às cidades. Claro que há maus administradores, mas muitos prefeitos não tinham mesmo como fechar as contas. Eles não têm BNDES, Caixa, ou Fundo Soberano para tapar os buracos, como o governo federal e os estaduais fazem."
Na segunda-feira, mais de 5.000 prefeitos devem ir a Brasília para se encontrar com a presidente Dilma Rousseff.
Na ocasião, o governo federal deve anunciar um “pacote de bondades” para os prefeitos em dificuldades, que inclui a ampliação de programas federais, como Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).
Dilma também encomendou à área econômica uma proposta de “encontro de contas”. É uma antiga reinvindicação dos prefeitos, que pedem mudanças nos descontos de dívidas municipais com o INSS. Atualmente, esses descontos são feitos nos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), mas os prefeitos querem que esse débito seja primeiro confrontado com os créditos federais que as prefeituras têm a receber, o que pode diminuir o valor a ser abatido.
26 de janeiro de 2013
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