"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 26 de janeiro de 2013

DUAS CIDADES IRMÃS... COM UMA SUTIL DIFERENÇA ENTRE ELAS

    
          Artigos - Desarmamento 
Com esse passado comum, essa uniformidade étnica e toda essa integração (até a culinária é igual), porque a diferença tão gritante nos índices de criminalidade entre as duas cidades irmãs?

Outro dia, por acaso, li uma notícia interessante. A notícia dizia que, em 2010, a cidade de El Paso, no Texas (EUA), com cerca de 800 mil habitantes, foi considerada a cidade com a menor criminalidade dos EUA (dentre as cidades com mais de 500 mil habitantes).

Para uma pessoa desatenta, ou sem conhecimentos de geografia, essa notícia não atrairia atenção. Afinal, é de se imaginar que uma pequena cidade do interior dos EUA deve ser mesmo tranqüila. O que despertou minha curiosidade é que El Paso situa-se às margens do Rio Grande, na fronteira entre EUA e México. No outro lado do rio, na margem mexicana, situa-se Ciudad Juárez, uma das mais violentas cidades do mundo.

A classificação foi dada pela empresa CQ Press, uma instituição de pesquisa independente que faz este “ranking” anualmente. Desde 1997 El Paso vinha ocupando o segundo ou terceiro lugar nessa pesquisa, chegando ao primeiro lugar em 2010.

Por outro lado (do outro lado do rio), Ciudad Juárez vem sendo classificada como a “Capital Mundial do Crime”, com a média de 148 assassinatos anuais por cem mil habitantes, além de diversos outros tipos de crimes como roubos, furtos, estupros, seqüestros, etc., De acordo com a organização civil mexicana Consejo Ciudadano para la Seguridad Pública (CCSP), Juárez é a cidade mais violenta do mundo.

Recentemente (em 2011), este título, nada honroso, foi alcançado pela cidade de San Pedro Sula, em Honduras, que atingiu a impressionante marca de 159 assassinatos por cem mil habitantes e, assim - ao menos temporariamente - destronou Juárez do primeiro lugar.

Isso é muito curioso pois Juárez e El Paso eram a mesma cidade (chamada de El Paso del Norte) até o Tratado de Guadalupe Hidalgo, de 1848, quando o Rio Grande passou a fazer a fronteira entre EUA e México. A cidade propriamente dita ficou na parte mexicana, ficando apenas algumas instalações militares semi-abandonadas na margem norte que serviam para rechaçar os ataques dos índios apaches e comanches. Essas instalações formaram a base inicial da cidade norte-americana de El Paso.

Em 1888 a cidade mexicana foi renomeada para Juárez em homenagem a Benito Juárez, o líder republicano que liderou a luta contra os franceses.

Até 1930 não havia qualquer restrição ao deslocamento entre as duas margens do rio e 80% da população de El Paso é de origem latina (sendo 75% de ascendência mexicana). Fala-se muito mais espanhol em El Paso que inglês. O intercâmbio entre as duas cidades é também muito intenso, como seria de se esperar. Em 2008 houve 22,9 milhões de travessias registradas nos postos de fronteira.

Com esse passado comum, essa uniformidade étnica e toda essa integração (até a culinária é igual), porque a diferença tão gritante nos índices de criminalidade entre as duas cidades irmãs?

Bem, entre as duas há uma sutil diferença. El Paso é uma cidade norte-americana e se beneficia da Segunda Emenda da constituição dos EUA que garante o acesso às armas de fogo a todo cidadão. Além disso, o estado do Texas adota a lei do porte de arma não discricionário, ou seja: se você é um cidadão de bem, a polícia não pode negar-lhe uma licença de portar armas.

Já na margem sul do rio, Juárez é regida pelas draconianas leis de armas mexicanas – tão draconianas quanto as brasileiras. Ou seja: a população é deixada indefesa diante dos criminosos. Eis aí a sutil diferença que explica a disparidade dos índices de criminalidade entre as duas margens do rio.

É claro que os anti-armas não aceitarão essa explicação e argumentarão que a culpa é dos cartéis de traficantes de drogas que infestam Juárez.

De fato, o tráfico de drogas é uma das principais causas da violência em Juárez. Entretanto, este argumento por si só é fraco, pois se existem traficantes na margem sul, da mesma forma existem traficantes na margem norte do rio. Afinal, toda droga que chega em Juárez tem como destino final o mercado dos EUA e alguém tem de fazer a distribuição neste país. Portanto, a cada quadrilha existente na margem sul, existe uma similar (quando não a mesma) na margem norte. Como explicar que as quadrilhas na margem norte são “bem comportadas” enquanto as quadrilhas da margem sul são violentas?

Mas se hoje El Paso é uma cidade pacífica, nem sempre foi assim. No século XIX, El Paso del Norte era um local distante da civilização para onde acorriam aventureiros e procurados pela justiça dos EUA e México. Lá havia salteadores de diligencias, xerifes corruptos e ladrões de gado – tudo aquilo que vemos nos “filmes de bang-bang”.

Porque ocorreu a pacificação em El Paso e porque o mesmo não se deu em Juárez?
É fácil explicar. Após inúmeras pesquisas feitas por diferentes instituições no mundo, hoje sabemos que em qualquer sociedade (independente do país, região, cultura, economia ou etnia) o percentual de indivíduos delinqüentes gira em torno de 1%.

À medida que a população de El Paso foi crescendo, a proporção entre delinqüentes e cidadãos ordeiros (e armados) foi se aproximando do índice universal e assim esses fora-da-lei foram tendo suas ações cada vez mais reprimidas.

O mesmo fenômeno ocorria em Juárez, mas a partir do século XX as leis de armas mexicanas foram pouco a pouco se tornando cada vez mais restritivas, até chegarmos ao ponto em que estamos hoje, onde é praticamente impossível um cidadão comum possuir uma arma legalmente. O processo de pacificação foi então se revertendo e, com a chegada das drogas a partir da década de 60 do século passado, a parcela delinqüente simplesmente ficou incontrolável.

Em 2012 o prefeito de Juárez vangloriou-se que, sob seu mandato, os índices de criminalidade estavam baixando, graças a um enorme gasto com forças de segurança.

Enquanto em El Paso a pacificação foi um processo natural, com pouco custo para os contribuintes, em Juárez o Estado Mexicano está gastando uma fortuna, haja vista a grande quantidade de tropas do exército e da polícia federal mexicana deslocadas para a cidade.

Finalizando, convido o leitor a uma reflexão. Se tivesse de escolher uma dessas cidades para viver, em qual delas preferiria instalar sua família? Em El Paso, onde prevalece a “cultura das armas” (*) e nunca se sabe se a pessoa ao lado está ou não armada, ou em Ciudad Juárez, onde prevalece a “cultura da paz” (*) e os cidadãos certamente estão desarmados?

 
Nota:

(*) – Termos empregados pelas ONGs anti-armas.

26 de janeiro de 2013
Leonardo Arruda é diretor da Associação Nacional dos Proprietários e Comerciantes de Armas – ANPCA.

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