A Ação Penal 470 é um marco para o Judiciário e
para a sociedade brasileira. A sensação de impunidade quanto aos crimes
praticados pelo alto poder político e econômico certamente diminuiu.
Vinte e cinco dos 39 acusados foram condenados por
corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha,
peculato,
evasão de divisas,
lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta.
O julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF)
produziu situações inimagináveis até pouco tempo atrás. Nomes, cargos e
instituições estritas ao meio jurídico tornaram-se familiares ao cidadão comum,
que acompanhou atento seu desenrolar pelos principais veículos de comunicação do
país.
A gravidade dos crimes praticados e a repercussão
social tornaram ministros da Suprema Corte figuras populares, ícones da
moralidade pública e até objeto de campanhas em redes sociais. Há quem questione
um eventual excesso na exposição na mídia, mas é fato que tornar uma sociedade
mais consciente, por meio do acesso à informação, fortalece a democracia.
Ademais, vale lembrar, a divulgação do julgamento protege o acusado, permitindo
observar o devido processo legal.
Esse breve relato da dimensão que o julgamento da
Ação Penal 470 atingiu no país tem como objetivo citar apenas o caso mais
recente em que atuação investigativa do Ministério Público contribuiu
decisivamente para combater a criminalidade. Como se sabe, não só a denúncia
como toda a investigação do caso foram realizadas pela Procuradoria-Geral da
República. Com isenção e autonomia, marcas da instituição, o procurador-geral,
Roberto Monteiro Gurgel, exerceu em plenitude o poder de investigação outorgado
ao Ministério Público pela Constituição Federal.
É lamentável, portanto, que num momento como este
paire uma grave ameaça à atuação investigativa da instituição. Tramita no
Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 37/2011, que
pretende dar à polícia judiciária a exclusividade nas investigações criminais. A
PEC 37 pretende criar o § 10 do artigo 144 da Constituição Federal, tornando
privativa das polícias Federal e civis dos estados e do Distrito Federal a
persecução penal.
Devidamente chamada pela alcunha de PEC da
Impunidade, a proposta é um retrocesso para a democracia e uma ofensa à vontade
do legislador constituinte. O artigo 129, inciso I, da Constituição Federal
consagra as funções institucionais do Ministério Público, o que inclui seu poder
de investigar.
A PEC da Impunidade segue na contramão da
excelência dos serviços públicos, uma vez que concentrar as investigações num
único órgão gerará uma sobrecarga de trabalho impossível de ser cumprida. Já é
sabido que a polícia não consegue atender a demanda atual. Seja por falta de
estrutura, equipamentos ou pessoal, seja por corrupção na organização, o fato é
que as delegacias de polícia não dão conta do volume de casos.
Se se tornar a única instituição com competência
para investigar crimes, pior para a sociedade. Seguiremos rumo à consagração do
Brasil como o país da impunidade.
Por isso questionamos o motivo de a polícia
reclamar para si a exclusividade nas investigações. Se não atende ao que hoje já
lhe compete, por que brigar pelo monopólio? Por que não continuar respeitando a
Constituição Federal, que, ao criar uma instituição independente e autônoma,
descolada dos Três Poderes da República, deu-lhe competência para isso?
Por que não aceitar a contribuição do Ministério
Público na luta diária contra a criminalidade? Por que enfraquecer uma
instituição que em duas décadas de atuação exibe um currículo invejável de
serviços prestados?
São questões que precisam ser muito bem analisadas
antes que a PEC nº 37/2011 — infelizmente aprovada no fim de novembro pela
Comissão Especial — seja encaminhada aos plenários da Câmara e do Senado para
votação.
Mas, acima de tudo, a sociedade deve estar alerta
para o que vai significar para o Estado Democrático de Direito reduzir os meios
de investigação criminal.
O Ministério Público, instituição reconhecidamente
vocacionada à defesa da cidadania, dos direitos fundamentais sociais e
individuais indisponíveis, quer apenas seguir atuando em parceria, de forma
articulada e em defesa da sociedade brasileira.
Luis Camargo Correio Braziliense
03 de janeiro de 2013
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