De Andrea, recebo:
Como nossa memória é despertada por pequenos fatos. Acabei de ler sua ultima crônica e me lembrei que quando eu cursava a segunda serie do primário saia de carro com meu pai de nossa casa no Lago Norte em Brasília até a Asa Sul, onde ficava meu colégio, e ele vinha ao longo de todo o percurso tomando a tabuada. Ele fazia perguntas aleatórias, criava pequenos problemas, e eu tinha que aceitar tudo, caso contrário teria que estudar nos finais de semana. Lembrei que o xingava, mentalmente é claro, “que velho chato”, mas aprendia tabuada e muitas outras coisas. Que bom que o velho era chato, rs.
Lembrei-me também que naquela época eu tinha três meses de férias, muito mais que meu sobrinho tem hoje, mas na quinta série eu sabia o nome de todas as capitais e países da Europa (é verdade que na década de 70/80 eram menos países que agora), mas mesmo assim eu e meus colegas sabíamos nos situar no mundo. Como gosto muito de viajar, meu sobrinho absorveu algumas coisas e tem alguma idéia de geografia, mas brincando com alguns de seus colegas que vieram fazer um trabalho em grupo aqui em casa fiz algumas perguntas de geografia e fiquei chocada com as respostas.
Os garotos, que estão cursando o primeiro ano do ensino médio, não sabiam onde fica Paris. Um até comentou que achava que Paris fica perto da França, e ficaram procurando no mapa (um modelo de mapa físico onde não há o nome dos países) na região da Ásia e do Oriente Médio. Só depois de algum tempo “descobriram” a Europa. Um deles, que vai passar as férias de julho nos parques da Disney, não sabia ver no mapa onde fica a Florida.
Fico imaginando que do jeito que as coisas estão, no futuro do Brasil, ou seria melhor chamar adotar logo o nome de Brasil para não confundir, aquele que conseguir fazer uma regra de três composta, descobrir onde fica Paria e Nova York no mapa e ler (entender) um livro de José de Alencar ou Machado de Assis até o final, será considerado, não um homem culto, mas um completo intelectual. Enquanto isso Instituto de Advocacia Racial e Ambiental quer que a Lei que determina a obrigatoriedade do ensino étnico-racial seja cumprida e mais, que esta disciplina seja ensinada nas escolas. Bom, pelo menos os alunos vão saber onde fica a África.
Cara Andrea:
Quem não sabe onde fica Paris não merece viver. Certa vez, ao voltar da Europa, fui contar a um tio sobre minha viagem. “Sei, fica pros lados de Passo Fundo”. Mas era homem que vivia no campo, de escassa instrução. No fundo, estava certo. Ficava mesmo na direção de Passo Fundo. O fato é que, se perguntarmos hoje a um estudante do secundário onde ficam Atenas ou Amsterdã, provavelmente não terá idéia do que se fala.
Quando fiz meu ginásio, em Dom Pedrito, reprovação era uma espada que pendia o ano todo - e todos os anos - sobre a cabeça do aluno. Repetir de classe era mais ou menos como virar leproso. Era angustiante, confesso. Destes dias de dureza, costumo evocar um de meus mestres, o professor Hugo Brenner de Macedo, que descontou dois pontos de uma dissertação, porque o aluno havia escrito feichão em vez de feijão. Na universidade, se descontasse dois pontos por cada erro de grafia, raros seriam meus alunos aprovados. Conheci várias universidades e profissionais delas oriundos nos últimos anos. Posso afirmar tranqüilamente que, no ginásio daquela cidadezinha, então com 13 mil habitantes, recebi uma educação que hoje não se ministra nem em cursos de Letras.
A História é uma eterna luta entre alfabetizados e analfabetos, dizia Nestor de Hollanda, de saudosa memória. Segundo o autor, os analfabetos estavam avançando inexoravelmente em todas as áreas. Dito e feito. Agora planejam tomar os campi de assalto. Por obra dos legisladores nacionais, em breve um analfabeto de pai e mãe poderá ostentar em seu currículo um diploma de curso superior.
A reprovação, único instrumento eficaz de controle da qualidade de ensino, está virando coisa do passado. Se no secundário está se tornando proibida, nos cursos superiores é cada vez mais rara e mesmo inexistente. Contou-me um amigo, professor de universidade privada, que não pode reprovar nem mesmo alunos que jamais assistiram a suas aulas. O ensino virou um teatro, onde o aluno finge que aprende e o professor finge que ensina - disto está consciente todo professor que costuma olhar-se no espelho antes de entrar em sala de aula.
Um de meus prazeres perversos é ouvir escutas clandestinas entre deputados e seus asseclas. Jamais ouvi um que falasse um português correto. Mas há esperanças. Nestor de Hollanda dizia que as hostes dos alfabetizados avançavam, já havia até mesmo alguns infiltrados no Exército. Da mesma forma, encontramos hoje alguns infiltrados no Congresso.
25 de março de 2013
janer cristaldo
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