Deu domingo na Folha: na sua única viagem internacional como representante oficial do governo Dilma Rousseff, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva levou na delegação à Guiné Equatorial um diretor da Odebrechet.
"A Odebrecht entrou na Guiné Equatorial após a visita de Lula, sendo favorita para obras na parte continental, onde está sendo construída uma capital administrativa", dizia ainda o texto.
No mesmíssimo domingo, deu em "El País": "Fazer negócios com o clã familiar que lidera Teodoro Obiang [ditador da Guiné Equatorial desde 1979] é arriscado. O pagamento de comissões é obrigatório e as disputas comerciais, muitas vezes fictícias, derivam, às vezes, em extorsão, ameaças e em perda do investimento para salvar a vida".
Não é fantasia do jornal: a Chancelaria espanhola acaba de divulgar nota na qual adverte que estão ocorrendo casos de empresários espanhóis e estrangeiros que não podem abandonar a antiga colônia espanhola por desentendimentos com seus sócios locais.
O passaporte é confiscado e ficam impedidos de deixar o país até que desistam de suas propriedades.
Conclusão do jornal: "Este sistema corrupto impregna até o último rincão da administração guineana".
Não por acaso, o ditador Teodoro Obiang ficou em oitavo lugar na lista dos governantes mais ricos do mundo, apesar de chefiar um país obscenamente pobre.
Traçado o perfil da Guiné Equatorial e de seu tirano, cabe perguntar: as empresas brasileiras que atuam no país são imunes à máquina de corrupção lá instalada ou, ao contrário, engraxam os mecanismos que enriquecem o clã Obiang? Segundo a reportagem da Folha, além da Odebrecht fazem negócios na Guiné também a ARG, a Andrade Gutierrez, a Queiroz Galvão e a OAS.
Parece supina ingenuidade acreditar que tenham obtido a concessão de obras sem pagar qualquer pedágio aos Obiang, se, como diz "El País", a corrupção impregna tudo.
Que Lula trabalhe como caixeiro-viajante dessas empresas já é esquisito, mas, convenhamos, é o que fazem hoje em dia não apenas ex-presidentes mas até presidentes/primeiros-ministros em pleno exercício do cargo.
Mas que feche os olhos para uma tirania obscena como, entre tantas outras, a de Obiang, no cargo há 34 anos, vira também uma obscenidade, mais ainda como representante oficial de um governo que diz pôr direitos humanos no centro de sua política externa.
Prestaria um serviço mais decente se se dedicasse exclusivamente aos países africanos que vão penosamente estabelecendo regimes democráticos. Segundo levantamento recente da "Economist", se, ao término da Guerra Fria, 30 anos atrás, só três Estados africanos, dos 53 então existentes, eram democráticos, hoje já são 25, de "vários tons", e muitos mais fizeram eleições, "imperfeitas, mas valiosas" (22 só no ano passado).
Para que, então, sujar as mãos com um tirano?
26 de março de 2013
Clovis Rossi, Folha de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário