Os países do grupo Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) começam nesta terça-feira, na cidade sul-africana de Durban, sua quinta reunião de cúpula em um momento econômico relativamente mais complicado para esse clube de emergentes do que os quatro encontros anteriores, que foram marcados por uma grande euforia e otimismo.
"Se até a última cúpula muitos ainda acreditavam que esses países sairiam da crise econômica global ilesos, ou como seus grandes vencedores, agora, com a economia chinesa desacelerando e o Brasil crescendo menos que os Estados Unidos, essa certeza parece ter acabado", ressaltou, em entrevista à BBC Brasil, Oliver Stuenkel, especialista em Brics da Fundação Getúlio Vargas que participou de uma série de debates acadêmicos que precederam o encontro em Durban.
Isso não quer dizer, porém, que o clima da reunião será de fim de festa. Segundo analistas, tal desilusão na realidade aumenta a pressão para que os líderes desses países consigam fazer avanços concretos em um duplo desafio estabelecido pelo grupo desde sua primeira cúpula, em 2009. De um lado, eles precisam consolidar o Brics como uma entidade política. Do outro, aumentar a cooperação econômica e oportunidades de negócios entre seus integrantes.
"Se conseguirem adotar medidas significativas para avançar na coordenação política e econômica, esses países estarão mostrando que têm um projeto conjunto no longo prazo, independentemente dos dados do PIB de cada um deles", diz Stuenkel.
"Até agora, apesar de toda a retórica, esses países não chegaram a nada de concreto em termos de articulação política, mas o encontro de Durban pode mesmo ser decisivo nesse sentido", concorda Jim O'Neill, que em 2001 criou o termo Bric (o S da Africa do Sul foi adicionado depois) para designar as nações emergentes que por volta de 2040 teriam o mesmo peso econômico dos países desenvolvidos.
"Se esses líderes conseguirem fazer o Banco dos Brics deslanchar, por exemplo, terão dado um grande passo para mostrar que estão mesmo dispostos a ampliar sua voz no sistema de governança econômica global", completa o economista. "Esse pode ser o Banco Mundial dos emergentes", diz.
Temas
A proposta para o Banco dos Brics foi feita no encontro passado, em Nova Déli. Seu objetivo é estabelecer um banco multilateral que possa financiar projetos conjuntos na área de desenvolvimento, criação de infraestrutura e trocas comerciais.
Em 2012, ministros de economia e finanças dos cinco países foram encarregados de estudar a viabilidade e possíveis configurações da nova instituição financeira. Agora, o desafio é fazê-la sair do papel, chegando a um acordo sobre sua estrutura, recursos e práticas.
Diplomatas estimam que cada país poderia contribuir com US$ 10 bilhões para esse banco, o que lhe garantiria um total de US$ 50 bilhões de capital inicial. Ainda não está claro, porém, de que forma o dinheiro seria distribuído, nem qual seria a sede da nova organização.
Além do Banco dos Brics, outro tema que deve estar sobre a mesa no encontro de Durban segundo informações de especialistas e diplomatas brasileiros, é a criação de um fundo de reservas conjunto.
Se o Banco dos Brics poderia ser uma espécie de Banco Mundial dos emergentes, como definiu O'Neill, a princípio a ideia é que esse fundo funcione como um FMI do grupo - socorrendo países em apuros financeiros.
Mecanismos de facilitação de comércio e cooperação econômica, como a possibilidade do uso de moedas locais em investimentos e trocas comerciais entre países do Brics, também devem ser debatidos, tendo em vista a crescente interdependência desses países - em especial com a China, que é hoje o principal parceiro comercial do Brasil, da Índia e da Rússia e mantém um estoque de US$ 20 a US$ 40 bilhões em investimentos externos diretos na África.
Segundo o sul-africano Standard Bank, por exemplo, nos últimos dez anos o comércio intra-Brics cresceu mais de dez vezes, de US$ 28 bilhões, em 2002, para US$ 310 bilhões, no ano passado.
Por fim, por este se tratar do primeiro encontro dos Brics no continente africano, a relação dos emergentes com a África também foi definida como um tema prioritário - embora esta seja uma área em que os cinco países muitas vezes competem.
Os Brics também pretendem lançar durante essa cúpula um fórum permanente de diálogo empresarial e um think tank para discutir problemas conjuntos e estratégias de cooperação.
História
O termo Bric foi criado por O'Neill em 2001 como um instrumento de análise financeira. O "S" de África do Sul (em inglês) não foi incluído no acrônimo inicialmente e até hoje o próprio O'Neill diz não ver argumentos econômicos que justifiquem tal inclusão.
A população sul-africana representa um quarto da brasileira, ou o equivalente à população de uma Província chinesa, e o país ocupa apenas a 26ª posição no ranking das maiores economias do mundo, enquanto a China ocupa a 2ª , o Brasil a 6ª ou 7ª (de acordo com diferentes cálculos), a Rússia a 9ª e a Índia a 10ª.
"Percebi que esses quatro Bric eram países com grandes populações, governos dispostos a integrá-los no mercado global e um nível de crescimento substancial, então me pareceu claro que no futuro ganhariam mais peso na economia mundial", conta O'Neil, explicando o que lhe inspirou para criar o acrônimo.
O termo não demorou para se popularizar. Bancos de investimentos criaram carteiras para os Bric e departamentos para analisar seu crescimento e universidades em todo o globo abriram centros de estudos para comparar os quatro países e acompanhar sua trajetória.
Foi por volta de 2007, porém, que autoridades e líderes dos Bric perceberam a possibilidade de explorar politicamente o fenômeno - reunindo-se pela primeira vez durante um encontro internacional em Nova York. A primeira reunião de cúpula dos Bric ocorreu em 2009 na Rússia e deixou claro qual seria a bandeira do grupo: a luta pela reforma e democratização do sistema político e econômico internacional.
Países emergentes reclamam da falta de representatividade em instituições como o FMI, o Banco Mundial e o Conselho de segurança da ONU (no caso de Brasil, Índia e África do Sul). Eles argumentam que essas entidades e todo o sistema de governança internacional criado no pós-2ª Guerra estão ultrapassados e devem ser alterados para refletir a nova realidade, em que há mais centros de poder político e econômico globais.
Divergências
O problema é que se a reivindicação de reformas no sistema internacional é comum, o mesmo não pode ser dito sobre a forma como cada país acredita que essa reforma deva ser implementada.
Os Brics são divididos por diferentes agendas, interesses, valores e realidades nacionais, o que, na prática, dificulta sua articulação política e fortalecimento como um bloco alternativo ao dos países desenvolvidos.
China e Rússia, por exemplo, já são membros do Conselho de Segurança da ONU e nunca manifestaram apoio a uma ampliação do órgão. Afinal, é mais vantajoso fazer parte de um seleto clube com cinco membros do que de um com oito ou nove integrantes.
Os Brics também nunca conseguiram chegar a um consenso sobre a indicação de representantes comuns para a chefia de organizações como OMC, Banco Mundial e FMI. Para completar, não há consenso nas negociações sobre comércio - com alguns países adotando posturas mais protecionistas que outros em temas específicos.
"Ninguém espera que de repente os Brics comecem a falar com uma única voz, mas as mudanças que estão por trás da formação do grupo são sólidas e devem de fato mudar a ordem mundial nos próximos anos", acredita Marcos Troyjo, diretor do centro de estudos sobre os Bric da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.
"Apesar das divergências, a tendência é que os Brics consigam avançar aos poucos na coordenação política em alguns temas e que ampliem a cooperação para a superação de desafios comuns na área de saúde, segurança e energia, por exemplo", diz.
26 de março de 2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário