O psicanalista Contardo Calligaris não é de direita.
O psicanalista Contardo Calligaris não é burro.
O psicanalista Contardo Calligaris não é reacionário.
O psicanalista Contardo Calligaris não é neoliberal.
O psicanalista Contardo Calligaris não é político.
O psicanalista Contardo Calligaris não gosta de masmorras.
O psicanalista Contardo Calligaris não quer fuzilar ninguém.
O psicanalista Contardo Calligaris, em suma, não integra a lista negra elaborada pela imprensa politicamente correta e moralmente fascistoide, que pretende interditar qualquer debate metendo um selo nas pessoas e nas ideias.
Contardo escreve hoje na Folhja um excelente artigo sobre a maioridade penal. Afirma:
“Por exemplo, sou a favor de baixar a maioridade penal, drasticamente, como acontece no Reino Unido, no Canadá, na Austrália, na Índia, nos Estados Unidos etc. — sendo que, na maioria desses lugares, o juiz tem a autonomia para decidir por qual crime um menor de 12 ou dez anos será, eventualmente, julgado como adulto.”
No dia 12 deste mês, escrevi aqui (em azul):
“(…) eu sou contra o estabelecimento de uma idade para a inimputabilidade; creio que se deve avaliar a consciência que o criminoso tem do seu ato (…)”
E tive de ouvir os ai-ai-ais e ui-ui-uis de uma gente que nem mesmo se ocupou de saber como as democracias mundo afora tratam essa questão. No primeiro texto que escrevi a respeito, citei justamente o caso da Inglaterra, lembrado por Contardo, e o tratamento dado por aquele país a dois indivíduos de 11 anos que sequestraram um bebê de dois num shopping, torturaram-no e depois o amarraram à linha do trem só para saber, disseram, como era corpo explodindo. No Brasil, com menos de 12 anos, nem mesmo ficariam internados na Fundação Casa.
Alguns tontos, que adoram simplificar o que os outros pensam porque assim podem se dispensar de pensar, imaginam que as críticas que faço a certo tipo de esquerda é principalmente conteudista — eu não gostaria do seu discurso em favor da justiça social. Que bobagem! A minha crítica se dirige principalmente à forma como essa gente interdita qualquer debate com uma mera etiqueta: “Isso é reacionário”. E pronto! A partir daí, parte-se para a desqualificação de “quem” fala e se ignora o “que” está sendo falado.
Na noite de terça-feira passada (dia 9), em São Paulo, Victor Hugo Deppman, estudante de 19 anos, foi assassinado. As câmeras mostram que ele entregou seu celular, e o assaltante o matou sem razão, com um tiro na cabeça.
O criminoso se entregou à polícia declarando que faltavam dois dias para ele completar 18 anos. Com isso, pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), aos 20 anos e 11 meses no máximo, ele voltará a circular. A gente não pode nem deixar anotado o nome do assassino, para mantê-lo afastado de nossas vidas futuras: por ele ser menor, seu anonimato é preservado.
É assim que protegemos o futuro do criminoso, para que, uma vez regenerado pela mágica de três anos de internação (alguém acredita?), ele possa facilmente reintegrar a sociedade e ser um cidadão exemplar, nosso vizinho.
(…)
(…)
Por exemplo, sou a favor de baixar a maioridade penal, drasticamente, como acontece no Reino Unido, no Canadá, na Austrália, na Índia, nos Estados Unidos etc. — sendo que, na maioria desses lugares, o juiz tem a autonomia para decidir por qual crime um menor de 12 ou dez anos será, eventualmente, julgado como adulto.
(…)
3) Conheço só uma consideração racional a favor da maioridade penal aos 18 anos, e ela não é boa: o córtex pré-frontal (zona do cérebro que controla os impulsos) não está totalmente desenvolvido na infância e na adolescência.
Tudo bem, se aceitarmos essa consideração, deveríamos aumentar seriamente a maioridade penal, pois o córtex pré-frontal se desenvolve até os 25 anos ou além. Além disso, deveríamos julgar como menores todos os adultos impulsivos, que nunca desenvolveram um córtex pré-frontal “satisfatório”.
4) As outras “considerações racionais” (que deveriam prevalecer sobre o impacto das emoções) são apenas disfarces de emoções especificamente modernas que, à força de serem compartilhadas, se tornaram chavões ideológicos.
Três deles são corolários de nossa “infantolatria”, ou seja, da paixão narcisista que nos faz venerar crianças e jovens porque, graças a eles, esperamos continuar presentes no mundo depois de nossa morte.
Primeiro, queremos que as crianças nos apareçam como querubins felizes como nós nunca fomos e nunca seremos. Por isso, preferimos imaginar que os jovens sejam naturalmente bons. Quando eles forem maus, atribuímos a culpa à sociedade e a nós mesmos. Portanto, não podemos puni-los, mas devemos, isso sim, nos punir.
Tendo a pensar o contrário: as crianças podem ser simpáticas, mas são más (briguentas, possessivas, invejosas, mentirosas, ingratas etc.); às vezes, elas melhoram crescendo, ou seja, a cultura pode civilizá-las (ou piorá-las, claro).
Segundo, adoramos acreditar que sempre podemos mudar (para melhor, claro): apostamos que a liberdade do indivíduo permita qualquer reviravolta –até a salvação eterna pelo arrependimento na hora da morte. A possibilidade de os criminosos (ainda mais jovens) se redimirem confirma nossa crença querida.
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Meus amigos, “Les Misérables” é lindo e comovedor, mas é um romance, ok? Na outra noite, no bairro do Belém, teria sido melhor que aparecesse Javert.
18 de abril de 2013
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