"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 18 de abril de 2013

O BOLÍVAR-DE-HOSPÍCIO

Como todos os chefes de seita que infestam o subcontinente, o bolívar-de-hospício logo será apenas uma má lembrança


Ditador da Argentina no começo dos anos 80, o general Leopoldo Galtieri apreciava uísque e cinema. Viu o filme que conta a história do general George Patton e, embalado por algumas doses de bom tamanho, achou-se muito parecido com o impetuoso militar americano. Meio litro depois, resolveu retomar da Inglaterra, à bala, as Ilhas que os ingleses chamam de Falkland e os argentinos de Malvinas. Galtieri descobriu tarde demais que não tinha nada em comum com Patton. Era fisicamente parecido com o ator George C. Scott, que encarnou no cinema o general de verdade.

Quem acreditou que venceria os exércitos ingleses, portanto, não foi um sargentão argentino. Foi um herói da Segunda Guerra. Essa divertida teoria do jornalista Elio Gaspari é a melhor explicação para a Guerra das Malvinas. Pode ser útil aos interessados em decifrar outras maluquices sul-americanas. O venezuelano Hugo Chávez, por exemplo, nomeou-se “herdeiro político de Simón Bolívar” tão logo chegou ao poder em 1999. Mais um pouco e pôs na cabeça que era uma cópia melhorada do original.

Bolívar, ao menos em tese, prezava a liberdade e a democracia. Chávez foi mais um tiranete obcecado pelo mando ilimitado e perpétuo. El Libertador exibia um refinamento cultural que contrasta penosamente com a indigência intelectual do coronel com alma de sargentão.
Bolivar liderou guerras de libertação que expulsaram os colonizadores de boa parte do subcontinente. Chávez passou a vida travando combates imaginários com o imperialismo ianque. Na segunda década do século 21, continuava alistado na Guerra Fria.

Recorrendo a chuvas de petrodólares, domesticou milhões de eleitores sempre dispostos a reverenciar gigolôs da miséria, e transformou em parceiros obedientes o Brasil de Lula e Dilma, a Argentina de Cristina Kirchner, a Bolívia de Evo Morales, o Equador de Rafael Correa, a Cuba dos Irmãos Castro e outras esquisitices cucarachas.
Foi por ordem de Chávez, como registra o post de agosto de 2009 reproduzido na seção Vale Reprise, que as Farc acabaram promovidas a “organização beligerante” por um Lincoln de galinheiro, uma doutora em nada, uma viúva-de-tango, um lhama-de-franja e um ditador-de-adidas.

Coerentemente, o personagem de Garcia Márquez que se materializou num mundo surreal morreu jurando implantar ─ primeiro na América do Sul, depois no restante do planeta ─ o “socialismo do século 21″.
Nem o criador soube explicar que criatura era essa. “O socialismo do século 21 é a grande arma para evitar a contaminação do imperialismo e do neoliberalismo”, recitava. Algum parentesco com o pesadelo soterrado pelos escombros do Muro de Berlim? “Não tem nada a ver com o socialismo adotado pela antiga União Soviética”, despistava.

A expressão grandiloquente, vista de perto, é apenas um codinome do chavismo. E o chavismo é só mais uma entre as incontáveis seitas populistas que infestam a América Latina desde a chegada dos navegantes europeus. Como todos os fenômenos do gênero, o chavismo nunca se apoiou num conjunto de ideias, mas nos interesses do chefe. Como todos os rebanhos, não sobreviverá ao sumiço do único pastor. Como todas as outras, a seita talvez agonize alguns anos, mas começou a morrer com a morte do chefe supremo.

Como tantos demagogos populistas, Hugo Chávez se julgava imortal. Logo será apenas uma má lembrança. Merecidamente ou não, Simón Bolívar segue vivo no imaginário popular sul-americano desde o século 19. Daqui a alguns anos, o bolívar-de-hospício estará reduzido a um asterisco nos livros que contam a história da Venezuela. Ou nem isso.   (05 de março de 2013)

18 de abril de 2013
Augusto Nunes

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