"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 18 de abril de 2013

VENEZUELA: À ESPERA DO PIOR

 

De Hugo Chávez, seus adeptos e admiradores dentro e fora da Venezuela costumavam dizer que representava o partido dos pobres, e que por isso ganhava uma eleição atrás da outra. Em 14 anos, ganhou quase todas as 17 que patrocinou.

Eleito presidente no último domingo por uma exígua margem de votos, Maduro está longe de se parecer com Chávez. Mas foi apresentado por Chávez como o seu herdeiro político. E se apresentou durante a campanha como “o filho do Chávez”.



A fascinação exercida por Chávez sobre os pobres não resistiu à passagem do 30º dia da morte dele, vítima de um câncer tratado em Cuba. Uma fatia dos pobres preferiu votar no candidato da oposição. E a eleição terminou quase empatada.

Carece de cabimento dizer que os pobres estão com o chavismo e que o resto, a burguesia e os interesses internacionais, com a oposição liderada por Henrique Caprilles, o candidato derrotado por Maduro.

A herança maldita legada por Chávez a Maduro é desde domingo uma Venezuela politicamente partida ao meio e confrontada com sérias dificuldades econômicas. O crescimento da inflação é apenas uma delas.

O desaparecimento de produtos das prateleiras dos supermercados, outra. Está faltando até papel higiênico. Um mal alimenta o outro e ameaça implodir a panela de pressão.

A economia capenga assusta os donos do capital que seguram os investimentos, e aumenta a insatisfação dos pobres – antes conduzidos por Chávez na base do gogó.

A divisão política tende a tornar um inferno o governo de Maduro. Uma coisa é ter sido chanceler durante 10 anos de um governo cujo líder não abria espaço para ninguém. O chanceler estava dispensado de ser um gênio.

Outra coisa é governar tendo logo de saída sua legitimidade posta em dúvida. Maduro ganhou com 300 mil votos de vantagem em números redondos. A oposição diz colecionar provas do desvio para Maduro de algo como um milhão de votos.

No discurso da vitória, em cadeia nacional de rádio e televisão, Maduro afirmou que concordava com uma auditoria no resultado da eleição. Capriles pedia mais do que isso. Cobrava uma recontagem dos votos – cerca de 14 milhões.

Devem ter dito ao inexperiente Maduro que auditoria ou recontagem poderia ser um tiro no pé. O recuo então foi imediato. No dia seguinte, Maduro esqueceu o que dissera, negou o que Caprilles pedira e se deixou proclamar presidente.

Só há duas maneiras de governar um país nas condições atuais da Venezuela. A primeira: negociando com a oposição, dona de 48% e mais um quebrado dos votos. A segunda: de chicote na mão e disposto a usá-lo sem dó nem piedade.

A oposição se recusa a reconhecer a vitória de Maduro. Promoveu um panelaço. Cercou escritórios nos Estados do Conselho Nacional Eleitoral. Saiu em passeata. Queimou pneus. Morreram sete pessoas até aqui. Mais de 100 saíram feridas.

Maduro proibiu a marcha que a oposição faria, hoje, sobre Caracas. E ameaçou apelar para o chicote. A marcha foi suspensa – o que por enquanto significa apenas que ela foi suspensa, nada mais do que isso.

O Brasil é o país da conciliação. O Império foi derrubado sem que se disparasse um único tiro. Um presidente da República – no caso, Lula – correu o risco de sofrer um processo de impeachment, mas a oposição preferiu deixar para lá.

A história da Venezuela é marcada por conflitos com muitas mortes. O sangue, ali, corre fácil. Maduro pelejará com a oposição, mas também com parte das forças que apoiavam Chávez e que a contragosto o apoiam.

É pouco provável que o desfecho seja pacífico. Ou que se arraste por longos anos.

18 de abril de 2013
Ricardo Noblat

Nenhum comentário:

Postar um comentário