Na investigação desse atentado em Boston a polícia e o FBI
têm à sua disposição as imagens de dezenas de câmeras de circuito fechado
dispostas em postes, frentes de lojas e portarias de edifícios ao longo do
percurso da maratona. E contarão com as imagens gravadas nos celulares e câmeras
portáteis de participantes e assistentes da maratona, num número
incalculável.
Talvez esta mega cobertura não ajude em nada, mas o fato é que
vivemos na era do registro universal, em que, pelo menos em tese, nenhum
movimento do cidadão de uma cidade moderna deixa de ser captado ou — se for um
criminoso — flagrado.
Cheguei a imaginar como seria um filme que contasse a vida de
algum representante da nossa espécie e da nossa época apenas através de
registros selecionados, do tape do seu parto, gravado pelo pai, através de todos
os superoitos da sua infância e juventude, até a gravação da sua posse como
ministro ou do seu assalto a uma mercearia abanando para a câmera, a
escolher.
Também se pode especular como teria sido a história do mundo se
detalhes dos seus grandes momentos ou de suas passagens mais terríveis tivessem
o escrutínio eletrônico de hoje. Na ausência da câmera onipresente os
acontecimentos eram conhecidos por testemunhos pouco confiáveis, que
transformavam banalidades em feitos heroicos e barbaridades em mitos.
Hoje se sabe que o repúdio do público americano à guerra no
Vietnã cresceu porque aquela foi a primeira guerra com cobertura instantânea da
História, a primeira que não foi mostrada em filmes desatualizados, mas gravada
e despejada diariamente pela TV no tapete da sala. E não é preciso ir muito
longe. Imagine se na tropa que acompanhava dom Pedro I às margens do Ipiranga
houvesse uns quatro ou cinco celulares gravando tudo.
A cena da proclamação da nossa independência certamente não
seria tão retumbante. A cena retratada na pintura famosa é mais bonita, mas é
falsa. Ou — para quem acha que entre o fato e a lenda deve-se sempre publicar a
lenda — é falsa, mas é mais bonita.
Crônica vovô
Tenho uma poltrona para ler os jornais, ver TV e, eventualmente,
cochilar na sala. Tenho, não. Tinha. Nossa neta Lucinda descobriu que o melhor
lugar para assistir a seus programas é a mesma poltrona. Não concorda que na
poltrona, apertando um pouco, cabem dois. Só faz concessão na hora do “Jornal
Nacional”, quando permite minha reintegração de posse.
No resto do tempo a poltrona é dela, e meus protestos são
recebidos com indiferença ou ironia. No outro dia, diante de mais uma
reivindicação dos meus direitos, ela tapou a boca com a mão para eu não ouvir e
disse: “Vovô pirou.” Enfim, estou envolvido numa guerra por território, com
poucas possibilidades de vitória.
18 de abril de 2013
Luis Fernando Verissimo
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