Na Constituinte, a Comissão de Sistematização acolhe a proposta do saudoso professor Afonso Arinos de ajustar a ordenanza do direito italiano ao sistema semiparlamentarista que se estava a criar, e que se chamaria “medida provisória”. No Plenário, entretanto, tenebrosas transações empurraram para a vala comum do esquecimento o novo sistema e reproduziu-se o imperial regime presidencialista, mas mantendo, então como contrabando, o descaminho da “medida provisória”.
O “instrumento”, desconhecido em qualquer país de sistema presidencialista, desorganizou o já combalido Congresso Nacional, mero carimbador de decisões do governo. A acachapante “base aliada” congressual quase sempre se limita a negociar a liberação de suas paroquiais emendas ao orçamento em troca miúda para votar questões pontuais de interesse do governo.
Ainda sem política, a oposição perde no parlamento e recorre, como se fosse um terceiro turno, aos largos poderes de que o Supremo Tribunal Federal dispõe e o empurra à tal novidade que atende pelo nome de “judicialização”, na esperança de que o acaso lhe proporcione a poderosa caneta de um ministro-relator que lhe defira o pedido.
A transmissão ao vivo das sessões do Supremo — sem precedentes em qualquer país — atrai, cada vez mais, um número maior de espectadores, e, se o caso é de grande repercussão, então organizam-se torcidas, e o poder da Corte se agiganta na midiática força que a TV impulsiona. Seus ministros são reconhecidos onde vão e a notoriedade incomoda os mais circunspetos.
Nesse quadro de responsabilidades agravadas, é que a nomeação de um novo ministro da Alta Corte se reveste de tal importância que levou a presidente naturalmente a gastar seis meses para nomear uma nova “caneta”. Pode acertar ou não. Desta vez acertou em cheio.
O professor Luís Roberto Barroso não apenas está a altura de seus pares, como na Corte vai cooperar — não confrontar — com seu pensamento amadurecido na advocacia, na docência e na contribuição que seus livros aportam ao direito.
Na sabatina a que se submeteu no Senado disse logo ao que vem: “Filosoficamente, eis o meu credo: creio no bem, na justiça e na tolerância.”
Tem razão: é o social e a compaixão que qualificam o direito.
A tormentosa questão da “judicialização” é por ele bem enfrentada: “Se há lei, o STF só deve invalidá-la se a afronta à Constituição for inequívoca. Se não há lei, o Judiciário não pode deixar de decidir a questão alegando omissão normativa. Nesse caso, o seu poder se expande. Portanto, no fundo no fundo, quem tem o poder sobre o maior ou menor grau de judicialização é o Congresso: quando ele atua, ela diminui; e vice-versa.”
Sigo com o avançado pensamento do ministro: “O Estado democrático de direito significa o ponto de equilíbrio entre o governo da maioria, o respeito às regras do jogo democrático e a promoção dos direitos fundamentais. Naturalmente, se em uma sala houver seis cristãos e três muçulmanos, os cristãos não podem deliberar jogar os muçulmanos pela janela. A maioria pode muito, mas não pode tudo.”
O ministro é capaz de fazer a leitura democrática da lei, não se deixando influenciar por esquemas doutrinários em moda, pressões ou por instâncias do poder político. Cada decisão — disse um notável juiz — é uma escolha dramática: saberá fazê-la. A decisão do magistrado vai revelar a consciência da multifacetada sociedade em que vivemos.
Tenho a convicção de que a Nação pode confiar em seu novo juiz.
13 de junho de 2013
Marcello Cerqueira é advogado.
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