1) O Banco Central (BC) aumentou os juros, aparentemente com a concordância da presidente Dilma Rousseff. O novo aumento foi o dobro do anterior. O aperto pode ajudar a restabelecer a imagem de uma política autônoma e baseada em critérios técnicos. A noção de autonomia operacional do BC havia sido prejudicada nos últimos dois anos. A recuperação, se ocorrer, provavelmente ainda levará algum tempo, mas a primeira providência foi tomada.
Mas pode-se perguntar se o novo aperto, iniciado em abril, é justificável, quando o consumo das famílias parece estagnado. Afinal, cresceu no primeiro trimestre apenas 0,1% em relação aos três meses finais de 2012. Esse argumento é enganador.
Entre janeiro e março o consumo das famílias foi 2,1% maior do que havia sido um ano antes, enquanto a produção industrial foi 1,4% menor. O consumo do governo superou por 1,6% o de janeiro a março de 2012. Bastariam esses dados para mostrar um grave desequilíbrio entre oferta e demanda no mercado interno.
A diferença resultou em aumentos de preços e de importações. Além disso, a expansão trimestral do consumo privado foi a 39.º consecutiva, impulsionada pela expansão da massa de salários e do crédito. Em vista da demanda, a ação do BC é plenamente defensável. Mas a eficácia será prejudicada se a política fiscal continuar expansionista.
A perspectiva é de mais um ano sem realização integral do superávit primário e de novas transferências do Tesouro às estatais – como os novos aportes de R$ 15 bilhões para o BNDES e R$ 15 bilhões para a Valec.
2) A cúpula federal resolveu, segundo informação da última semana, atribuir ao investimento a função de motor principal do crescimento. Para isso será necessário, entre outras providências, apressar a execução do programa de concessões na área de infraestrutura, anunciado em agosto de 2012 e até agora empacado.
A revisão da estratégia, se for real, resultará do mero reconhecimento de um fato bem visível: embora ainda supere a capacidade interna de oferta, o consumo perdeu dinamismo.
Seu papel como estimulante do crescimento esgotou-se – e provavelmente já estava esgotado em 2012. Além disso, o descompasso entre consumo e produção industrial era evidente há mais tempo, mas o governo desprezou esse dado.
Há muitos anos o governo mal consegue desembolsar 50% ou 60% das verbas orçamentárias previstas para investimento
Entre as estatais, a Petrobrás tem sido responsável por uma fatia entre 80% e 90% do total investido. Mas também suas operações ficam menos bonitas quando examinadas de perto. Basta lembrar a queda de produção, o aumento da importação de combustíveis e lubrificantes e o mau negócio da Refinaria Abreu e Lima. Daí o programa de desinvestimentos.
3) A produção industrial em abril foi 1,8% maior que em março e 8,4% superior à de um ano antes. De janeiro a abril, ficou 1,6% acima da registrada nos primeiros quatro meses de 2012. Em 12 meses, no entanto, ainda foi 1,6% menor que no período anterior. A melhor parte dessa notícia é a evolução do setor de bens de capital.
Em abril os fabricantes de máquinas e equipamentos produziram 3,2% mais do que em março e 24,4% mais do que um ano antes. Mas ainda houve uma queda de 4,4% no acumulado em 12 meses. O setor ainda nem se recuperou do tombo de 2012.
A continuidade da recuperação dependerá da confiança dos empresários e, em proporção menor, das possibilidades de exportar. Somando-se os projetos públicos e privados, o investimento continuará, quase certamente, abaixo de 20% do PIB, uma miséria.
4) Há sinais de melhora na balança comercial, com superávit de US$ 760 milhões em maio, mas o acumulado no ano ainda foi um déficit de US$ 5,4 bilhões. Este resultado e o desempenho da indústria, ruim em 2012 e ainda em lenta melhora, estão claramente vinculados. É cedo para afirmar se o saldo continuará a crescer. De toda forma, o superávit de US$ 15 bilhões previsto pelo BC só será alcançado com um saldo mensal de US$ 2,9 bilhões até o fim do ano. Acredite quem quiser.
5) Setores da indústria começam a discutir e até a cobrar do governo medidas para uma inserção mais ampla do Brasil nos acordos bilaterais e interregionais de comércio. Reagem, finalmente, a eventos como a formação da Aliança do Pacífico, integrada por Chile, Peru, Colômbia e México, e às negociações das Parcerias Transpacífico e Transatlântica, ambas com participação dos Estados Unidos e de grandes e médias potências comerciais.
Acordos parciais de comércio já aumentavam antes da interrupção da Rodada Doha e depois passaram a multiplicar-se mais velozmente, enquanto o Brasil continuou preso a um Mercosul estagnado e a alguns pactos pouco relevantes.
Para o Brasil, um resultado comercial relativamente modesto neste ano significará um déficit maior em transações correntes, provavelmente superior a 3% do PIB. Não será um desastre, mas a tendência é preocupante. Se o Banco Central continuar disposto a combater a inflação, os riscos à frente poderão ser menores, mas o aperto monetário dificilmente compensará o previsível desarranjo fiscal.
O governo parece ter percebido o custo político da inflação, mas ainda se mostra disposto a pagar caro, por outros meios, pela reeleição.
13 de junho de 2013
Rolf Kuntz
Fonte: O Estado de S.Paulo
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