"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 15 de junho de 2013

PM USA BOMBA DE GÁS E RENDE 15 MANIFESTANTES EM FRENTE AO MANÉ GARRINCHA

Batalhão de Choque da Polícia Militar fazia cordão de isolamento para impedir aproximação de jovens. Eles protestam contra custo dos estádios para a Copa do Mundo
 

Em Brasília, manifestantes entram em confronto com a PM
Foto: André Coelho / Agência O Globo
Em Brasília, manifestantes entram em confronto com a PMAndré Coelho / Agência O Globo

O Batalhão de Choque da Polícia Militar isolou na tarde deste sábado a entrada do estádio Mané Garrincha, em Brasília, para impedir a aproximação de manifestantes que protestavam contra os custos da Copa do Mundo e os investimentos bilionários em estádios de futebol. Os policiais fizeram um cordão e utilizaram bombas de gás lacrimogênio, spray de pimenta, além de disparar balas de borracha. Após o confronto entre manifestantes e a PM, houve corre-corre e confusão. O locutor oficial do estádio pediu calma aos torcedores que chegavam ao local para a abertura da Copa das Confederações, o jogo entre Brasil e Japão. Vinte e cinco pessoas, sendo dez menores, foram detidos - quinze adultos foram levados para a delegacia.
 
Segundo funcionários do SAMU, foram atendidas 26 pessoas vítimas do confronto com a PM nas proximidades do estádio de Brasília. Desses, quatro foram alvo de bala de borracha. Outros 22 estavam com irritação alérgica provocada pelo gás que foi atirado contra os manifestantes.
 
Na operação para dispensar os manifestantes, um policial que pilotava uma motocicleta atropelou um homem. Logo em seguida, outros policiais prenderam o manifestante.
Segundo informações da polícia, os 15 adultos presos foram levados para a 5ª Delegacia de Polícia e dez menores, para a Delegacia da Criança e do Adolescente. Segundo o capitão Arantes, as prisões foram efetuadas por desacato à autoridade e resistência à prisão.
 
O policial contou que foram apreendidos com os manifestantes pedras, uma faca, máscaras de gás e algemas - o que, segundo ele, demonstra propensão ao conflito. No grupo de detidos estava uma menina de 13 anos:
 
- Eu não fiz nada. Eu cheguei e disse pra ele: "Essa farda é suja", e ele me prendeu. Eu perguntei: "E a liberdade de expressão?"
 
O estudante Tiago Gomes Lacerda, de 21 anos, chegou à delegacia com os olhos ainda irritados pelo gás disparado pela polícia. Ele contou que o grupo do qual fazia parte estava sentado no chão protestando, quando a polícia disparou balas de borracha e spray de pimenta.
 
- Nós estávamos sentados no chão, sem fazer nada, e o batalhão progrediu - disse.
 
O advogado Gilson dos Santos, ligado ao movimento, acompanha o caso e acredita que todos serão liberados em algumas horas. Segundo ele, não há nenhuma acusação cabível, já que os manifestantes não agrediram os policiais.
 
Em duas ocasiões a PM usou a força para conter centenas de pessoas. Cerca de 300 manifestantes chegaram no fim desta manhã ao estádio para protestar. À tarde, eles somavam de 500 a 600 pessoas, segundo o tenente-coronel Zilfrank Antero. Os manifestantes também reclamam de outras violações de direitos supostamente provocadas pelo evento — como a remoção de famílias, a exploração sexual e a falta de dignidade dos trabalhadores da construção civil.
 
As vias anexas ao estádio foram bloqueadas por cordões de policiais em todos os sentidos e por viaturas. No início do ato, os policiais não barraram a passagem dos manifestantes. Eles gritavam “sem violência” ao se aproximar do local, na altura da Torre de TV.
 
Zilfrank Antero, um dos policiais responsáveis pela segurança no estádio, afirmou na tarde deste sábado que os torcedores com planos de assistir ao jogo poderiam ficar tranquilos, porque todos os portões de acesso estariam abertos, apesar da presença de manifestantes. Ele informou que 1700 policiais militares estiveram no estádio.
 
- Não houve nenhum confronto, só granadas de efeito moral - disse o militar.
 
A manifestação chegou muito próxima dos portões de acesso ao estádio. A polícia, em alguns momentos, teve trabalho para conter os manifestantes, que corriam e mudavam a direção da passeata.
 
No início da tarde, antes da confusão, muitos torcedores passavam assustados com o protesto e a movimentação dos cavalos e policiais.
 
- Aparentemente está pacífica a manifestação. É legítima, mas acho que a hora é errada. Tinha que reivindicar antes. Agora vão fazer o quê, derrubar o estádio? - indagou Anderson Figueiredo, de 23 anos.
 
A PM avaliou que faltava organização e uma liderança única ao movimento. Por volta das 12h30m, houve uma discussão entre os manifestantes: um grupo queria expulsar representantes do PSTU do movimento.
 
O governo do Distrito Federal informou em nota que cerca de 200 manifestantes estavam sendo "contidos e acompanhados" por forças policiais. Segundo o governo, a Polícia Militar fez "uso progressivo da força desde as primeiras horas da manifestação, garantido atuação pacífica e o controle absoluto do movimento".
 
Na nota, o governo avisou que não permitiria a "perturbação da ordem pública e nem qualquer tipo de ameaça à realização do jogo e ao público participante dessa grande festa para o Distrito Federal". "Dessa forma, os torcedores que se encaminham ao Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha têm o acesso garantido normalmente. Neste momento, eles ingressam na arena sem qualquer tumulto", disse a nota.
 
Pela manhã houve deliberações, dentro do grupo, para decidir se a passeata, que começou às 11h, deveria seguir ou não para o estádio, já que poderia haver confrontos com a polícia. O grupo que votou contra a caminhado ao estádio foi vencido.
 
Os manifestantes consideram o protesto como uma extensão das mobilizações que ocorreram nos últimos dias em São Paulo e no Rio de Janeiro contra o aumento das passagens de ônibus. Uma das faixas carregadas pelos jovens é assinada em nome de “Centros acadêmicos de medicina na luta por mais saúde”.
 
— O governo gastou R$ 1,5 bilhão para construir o estádio aqui em Brasília enquanto faltam recursos para a saúde — disse o estudante Vinícius Veloso, de 23 anos, que estuda medicina na faculdade do Distrito Federal.
 
O protesto foi organizado pelas redes sociais.
 
No início do ato, a PM abordou os primeiros jovens que chegaram à rodoviária, concentração dos manifestantes. Eles foram revistados e um dos policiais chegou a dizer que havia gravado o rosto de cada um deles.
 
— A gente foi revistado assim que chegou aqui. Não sou criminoso, não estou fazendo nada errado. É apenas um protesto — disse o estudante Darlan Gomes, de 19 anos.
 
Integrantes do grupo ressaltaram no início do protesto que a ideia era fazer um protesto pacífico, sem enfrentamento com a polícia, nem depredação do patrimônio público. Para os manifestantes, os protestos desta semana foram apenas o início de uma mobilização maior que tomará conta de outras cidades brasileiras.

15 de junho de 2013
Vinicius Sassine, Carlos Eduardo Mansur, Renato de Alexandrino, Danilo Fariello  e Paulo Celso Pereira - O Globo

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