A presidente Dilma tem uma saída tão simples quanto eficiente para escapar da confusão em que se meteu: basta chamar o Palocci, nomeá-lo chefão de toda a área econômica e dizer, na posse, que ele tem plena liberdade para aplicar um poderoso ajuste nas contas públicas. Sou capaz de apostar uma garrafa de vinho (selecionada pelo Renato Machado) que o risco Brasil e os juros cairiam no mesmo dia.
Não seria um gesto assim tão fora de propósito. Na verdade, Dilma estaria simplesmente repetindo o que fez seu mentor, Lula, no começo do primeiro mandato, em 2003. Lembram-se? Palocci, então ministro da Fazenda, produziu um superávit primário maior que o obtido no governo de FHC. O Banco Central, com Henrique Meirelles, elevou a taxa básica de juros, tudo isso criando as bases para um bom ambiente macroeconômico.
Verdade que deram uma enorme sorte. O mundo desandou a crescer e a China multiplicou por 40 suas importações do Brasil. Mas se a casa aqui não estivesse em ordem teria sido impossível aproveitar a bonança externa. Como, aliás, a presidente Dilma não aproveitou a enxurrada de capitais e o bom momento dos emergentes nos últimos anos — mamata que está acabando.
Mas sabemos das dificuldades. Começa que a presidente Dilma não admite haver problemas em sua política econômica. Ainda ontem voltou a dizer que está tudo em ordem, inflação controlada, país crescendo e tudo o mais.
Deve ser, entretanto, só da boca para fora. Não é possível que não estejam vendo os dados que mostram PIB para baixo e preços para cima, mais o dólar escalando e o aumento do déficit externo. Não é possível que acreditem mesmo nas lambanças contábeis que fazem as contas públicas parecerem equilibradas.
Notícias de debates dentro do governo têm vazado para os jornalistas. Enfim, é evidente mesmo para os economistas mais próximos do governo que algo precisa ser feito. E algo mais profundo do que, por exemplo, a simples retirada do IOF para aplicações estrangeiras em títulos do governo — estimulando aquilo que antes chamavam de especulação.
Esse algo só pode ser um forte ajuste nas contas públicas — ou seja, corte severo de gastos — anunciado com credibilidade. Daí a necessidade do Palocci. Ele já fez isso, já propôs uma política de longo prazo para zerar o déficit geral do governo e tem a confiança do mercado.
Ocorre que essas virtudes transformam-se, dentro do governo Dilma, em pecados neoliberais. A própria presidente já detonou essas ideias de ajuste. Ela precisaria, portanto, mudar de ponto de vista. Não seria necessário ajoelhar no confessionário, pedir perdão e mudar por convicção. Basta a necessidade, como foi, aliás, no caso de Lula no primeiro mandato. Até hoje ele não gosta de ter assinado a Carta ao Povo Brasileiro, nem de ter deixado Palocci fazer o que fez. Mas foi flexível diante das circunstâncias.
É certo, por outro lado, que Lula nunca foi de ter algo como uma doutrina, um pensamento econômico. Dançava no vai da valsa.
Já Dilma, economista formada, tem convicções — que se mostram equivocadas. Para ela, mudar é mais difícil.
Outro problema é que Palocci está com a reputação abalada. O mercado, os agentes econômicos continuam tendo saudades dele. Já no ambiente político, a rejeição é óbvia.
Mas esse obstáculo também poderia ser driblado. Não pode o Palocci? Pois arranjem um “tipo Palocci”. E já estando com a mão na massa, poderiam buscar também um “tipo Meirelles” para o Banco Central.
Não vamos aqui citar nomes, até para não queimá-los, mas o perfil está dado: experiência, capacidade comprovada na gestão pública, credibilidade no ambiente econômico e a convicção sincera de que a variável-chave no Brasil de hoje é um superávit primário enorme, caminhando para até 5% do PIB, de modo a zerar o déficit público, medido sem truques, é claro.
Complementos: uma alta forte na taxa básica de juros para derrubar as expectativas inflacionárias; ampla privatização de infraestrutura; reformas micro para tornar o ambiente de negócios mais favorável ao empreendedor privado. Mas só precisaria anunciar mesmo o tal ajuste fiscal.
Neoliberal! — gritam. Pois é, mas a alternativa desenvolvimentista de Dilma — juros para baixo, dólar para cima e gasto público acelerado — deu em inflação alta e crescimento baixo. Se nada for mudado, daqui a pouco vem mais desemprego e mais inflação, como na Argentina.
A escolha, pois, se dá entre “tipo Cristina” e “tipo Palocci”.
14 de junho de 2013
Carlos Alberto Sardenberg, O Globo
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