"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 21 de julho de 2013

"500 MORTES EM PRETO E BRANCO"

O governador do Texas Rick Perry negou clemência à condenada. Ele contabiliza agora o cumprimento de 261 execuções desde que assumiu o cargo, em 2000
 
Semanas, atrás, num final de tarde de verão em Huntsville, Estado americano do Texas, Kimberly McCarthy leu um pouco, comeu um pêssego e arrumou seus pertences. Depois tomou banho de chuveiro, deitou-se e passou a fazer palavras cruzadas. Pouco antes das 18 hr, horário de praxe para execuções à morte no sistema penitenciário dos Estados Unidos, vestiu o uniforme branco novo que também é de praxe para a ocasião.
 
Enquanto a injeção letal de pentobarbital corria em suas veias, ela ergueu os olhos até a janela por detrás da qual sabia estarem seus familiares e lhes agradeceu o apoio. Suas últimas palavras, atada à maca metálica na câmara da morte, foram : “Isto não é uma derrota, é um ganho. Estou indo para casa com Jesus”.
 
Arquejou um pouco o corpo antes de morrer. Vinte minutos depois de iniciado o procedimento, o médico constatou ausência de qualquer sinal vital e a cobriu com um lençol branco. O capelão do presídio, então, removeu sua mão do contato com a executada e guardou a bíblia que mantinha erguida.
 
Kimberly McCarthy foi a 500° pessoa a ser executada no Texas desde a retomada da pena de morte no Estado em 1982. Era negra, viciada em drogas e tinha 52 anos. Em 1997 entrara na casa de uma vizinha idosa sob pretexto de precisar de um pouco de açúcar. Matou a aposentada branca a facadas, roubou sua aliança decepando-lhe o anular e revendeu a joia para comprar crack.
 
“Quinhentos é apenas um número, não significa muito mais do que isso”, disse o afilhado da vítima do latrocínio, presente à execução. “Apenas quisemos que fosse feita a justiça prometida pelo Texas”.
 
Nesse quesito, o segundo Estado mais populoso daquele país não falha. Responsável por quase 40% das mais de 1.300 execuções levadas a cabo nos Estados Unidos desde que a Corte Suprema autorizou a retomada da pena capital, o Texas mantinha uma média de quase uma execução por semana em 2000. No ano passado esse número decresceu para pouco mais de uma morte judicial por mês – ainda assim, cinco vezes superior a média dos outros 32 Estados que também aplicam a pena capital.
 
Mais que tudo, o Texas é notório pela discriminação racial que define a seleção de jurados. No caso de Kimberly McCarthy, apenas um membro do corpo de 12 jurados era negro, apesar de quase um quarto da população local ser afrodescendente - os três outros que fizeram parte da lista original haviam sido descartados.
 
O viés racial já foi bem mais explícito no passado, é verdade. Um manual datado de 1963 com instruções à promotoria de como selecionar jurados recomendava abertamente a exclusão de “negros, judeus, mexicanos ou membros de qualquer minoria racial- mesmo quando ricos ou de boa formação”. Em 1986, mesmo um quarto de século depois, onze de 12 candidatos a juri negros foram eliminados sem maiores cerimônias. O caso se tornou célebre e resultou na reversão da pena. E ainda em 2005, contudo, o jornal Dallas Morning News levantou 108 casos de exclusão viciada.
 
“O sistema de pena capital do Texas é notório pela tolerância com a ineficácia da defensoria pública, pelo excesso de gana da promotoria e pela discriminação racial na composição do corpo de jurados. O caso Kimberly McCarthy parece contaminado pelas três coisas”, acusou em editorial o New York Times.
 
O governador do Texas Rick Perry negou clemência à condenada. Ele contabiliza agora o cumprimento de 261 execuções desde que assumiu o cargo, em 2000. A grande maioria das comutações por ele autorizadas– 28 – se deram em decorrência de uma decisão da Corte Suprema que bane a pena capital ... para menores de idade.
 
Menos de 48 horas após a execução de McCarthy, o governador Perry fez as honras da casa para uma organização anti-aborto, a National Right to Life, que realizava sua convenção anual em Dallas. “ Sinto-me abençoado por tê-los aqui, homens e mulheres [que como eu] valorizamos a vida humana”, disse ele, no discurso do abertura do evento. No início do mês o legislativo texano havia passado a lei, já sancionada pelo governador, que amplia em muito as restrições ao aborto ainda legal no Estado.
 
Tudo em nome da “proteção à vida”.
 
Um deputado estadual texano, Harold Dutton, deu o troco esta semana ao apresentar um projeto de lei insolente, sem qualquer chance de ser aprovado. Ele propõe a suspensão das novas restrições ao aborto até que a pena de morte seja abolida no Estado.
 
Já que o discurso oficial de Perry é de “proteção à vida”, argumenta Dutton, deveria ser coerente e contemplar todos.
 
Inclusive os que estão vivos no corredor da morte, sejam eles negros ou brancos.
* * *
Em tempo: na noite de sexta feira o Estado da Georgia aguardava recursos de última hora para executar Warren Hill, condenado pela morte de uma namorada e, posteriormente, a de um codetento.

21 de julho de 2013

Uma juíza decidira pela suspensão da execução porque o Estado se reusa a fornecer a composição exata do coquetel letal aos advogados do condenado – cita, para tanto, uma lei recente que classifica essas informações como segredo de estado. Dado que a Georgia já teve levas do coquetel injetável confiscado pelas autoridades, por estar contaminado, a questão estava em suspenso.
 
Com Q.I. de 70 e dado como intelectualmente incapacitado pelos sete especialistas que o examinaram, Warren Hill é outro caso cabeludo. Como se sabe, a Corte Suprema americana proíbe, pelo menos, a execução de pessoas com aguda deficiência intelectual.

21 de julho de 2013
Dorrit Harazim, O Globo

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