Dependesse apenas de sua vontade, o marechal Deodoro da Fonseca, mesmo tendo sido herói na guerra do Paraguai, não estaria imortalizado na História pátria.
Enquanto o Império cuidava do Baile da Ilha Fiscal, cercado de clamoroso escândalo, idealistas como Benjamim Constant, Sólon Ribeiro, Menna Barreto e outros oficiais do Exército mantiveram-se ativos. Conseguiram acesso a Deodoro. Este, embora enfermo, recebeu-os na véspera da sublevação, a instâncias de um sobrinho, o tenente do Exército Clodoaldo Fonseca.
Também os líderes republicanos Quintino Bocaiuva e Aristides Lobo foram recebidos na casa do marechal, por empenho de outro sobrinho, o capitão Hermes da Fonseca, que duas décadas depois, já general, viria a ser eleito presidente, tendo por contendor Rui Barbosa, o genial baiano que fez o País estremecer de consciência cívica, com a Campanha Civilista.
Esses líderes militares e civis puseram Deodoro a par de que o Imperador ia reorganizar a Guarda Nacional, comandada por homens ricos do interior, com direito a fardas e patentes. Cientificaram-lhe também que seria fortalecido o aparelho policial da sede da Corte, para fortalecimento da defesa do Império, em contraposição ao Exército, com seus quadros já refertos do ideário republicano.
As visitas foram decisivas para Deodoro pôr-se à frente das tropas, porque estava doente, preso à cama, com febre alta e falta de ar. Além disso, dedicava estima especial a D. Pedro II. Era-lhe grato por favores recebidos.
CONSTANT E SÓLON
O tenente-coronel Benjamim Constant Botelho de Magalhães, oficial de convicções positivistas, pertencente à elite intelectual, lente de Matemática na Escola Militar da Praia Vermelha, tinha forte liderança, porém restrita aos discípulos cadetes, com os quais a tropa não simpatizava. Fora mestre dos netos do Imperador, função a que renunciou por achá-los não concentrados nas aulas.
Junto com Sólon Ribeiro, Constant sabia que era indispensável o apoio do marechal, formado na tropa, com prestígio para congregá-la e colocá-la na rua sob o seu comando. Antes, a Escola Militar fora palco de insubordinação dos cadetes em presença do Ministro da Guerra que a visitava.
À oportunidade, o jovem cadete Euclides da Cunha, em protesto contra o governo, quebrou o sabre em frente ao visitante. Devido à pregação contra a monarquia, Benjamim Constant viu-se suspenso do magistério na Escola Militar.
O major Sólon Ribeiro era relativamente jovem, porém respeitadíssimo. Fora condecorado por atos de bravura na Guerra do Paraguai e participara da campanha pela Abolição dos Escravos. Pai da famosa Ana de Assis, mulher de Euclides da Cunha e pivô de tragédia que se tornaria histórica.
Sólon Ribeiro revelou-se ardiloso ao atrair o marechal alagoano para o comando do movimento. Primeiro cuidou de espalhar na Rua do Ouvidor tudo que desejava fosse do conhecimento de Deodoro. A Rua do Ouvidor e cercanias, à época, o principal centro nevrálgico do Rio de Janeiro, onde havia os principais cafés e confeitarias e onde estavam sediados diversos jornais.
SILVEIRA MARTINS
Quando recebido pelo marechal, disse-lhe Sólon Ribeiro que Afonso Celso de Assis Figueiredo, Visconde de Ouro Preto, último chefe de governo do Império, houvera decidido prendê-lo. Disse-lhe também que o político gaúcho Silveira Martins caíra nas graças do Imperador e seria nomeado presidente do conselho de ministros, em substituição a Ouro Preto.
Deodoro fora, durante alguns anos, comandante-chefe de Armas na Província do Rio Grande do Sul. Nessa época, apaixonara-se pela baronesa do Triunfo, Ana Carolina Fonseca Jacques — jovem viúva de um Brigadeiro. Nessa disputa amorosa teve o marechal por competidor justamente Silveira Martins. Este passou a levar vantagem por frequentar a belíssima fazenda, onde fazia passeios a cavalo com a baronesa. Numa dessas cavalgadas, Silveira Martins sofreu uma queda e passou cerca de um mês em recuperação.
Deodoro e Silveira Martins, este mais jovem sete anos, tornaram-se desafetos rancorosos. Essa inimizade incontornável era alimentada por cáusticas invectivas lançadas contra o marechal por Silveira Martins, em discursos no Senado.
As intrigas de Sólon Ribeiro atingiram o brio de Deodoro, que não mais se deixou prostrar pela doença. Na mudança de atitude, chegou a proclamar: “Eu queria acompanhar o caixão do imperador, que já está idoso e a quem respeito muito, mas o velho já não regula”. No dia 15 de novembro de 1989, o Marechal, montado no bonito cavalo e com admirável capacidade de mobilização, saía à frente da tropa e o povo assistiu — bestificado — à proclamação da República, na linguagem atribuída a Aristides Lobo.
CONDE D’EU
Havia muito, em 1870, a partir do fim da Guerra do Paraguai, militares patriotas, inclusive Deodoro, passaram a preocupar-se com a velhice de D. Pedro II. Por falecimento do Imperador, o cargo seria preenchido pela filha — a Princesa Isabel — casada com o Conde D’Eu, francês de nascimento e formação militar, de espírito arrogante, que, conquanto tenha participado da Guerra do Paraguai, era sumamente malvisto pela população do Rio de Janeiro, onde se tornara proprietário de cortiços, alugados por valores exorbitantes a pessoas pobres. Predominava o temor de que, morrendo Dom Pedro II, o governante de fato do Brasil seria o conde francês.
Proclamada a República, o major Sólon Ribeiro viveu situação deveras constrangedora. Foi escolhido para cumprir a árdua missão de levar a Dom Pedro II o ultimato de que deveria deixar o território brasileiro no prazo de 48h!
No mesmo dia 15 de novembro, Aristides Lobo, escolhido ministro do Interior, escreveu um artigo, somente publicado no dia 18, em que afirmava: “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem saber o que significava.
Muitos acreditavam estar vendo uma parada”. Disse mais: “O que se fez é um degrau, talvez nem tanto, para o advento da grande era”. E arremata: “Estamos em presença de um esboço rude, incompleto, completamente amorfo. Não é tudo, mas é muito”.
Na verdade, o ministro-chefe do novo Gabinete da preferência do Visconde de Ouro Preto era Silveira Martins. Mas o nome que estava na cabeça de Dom Pedro II, para presidir o ministério monárquico, era o do advogado baiano José Antônio Saraiva, político de larga experiência, que já houvera exercido três vezes o mesmo cargo. Afirma-se que o Imperador chegou a nomeá-lo — mas significou gesto frustrado. Já era tarde demais. Os republicanos estavam vitoriosos!
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