"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 21 de julho de 2013

NUDEZ E DIGNIDADE


Falava ontem da nudez, e particularmente de grandes vigaristas que se pretendem artistas e usam a nudez alheia como recurso para conquistar mídia. O pior é que a mídia os incensa. Desde quando um amontoado de pessoas nuas constitui obra de arte? Enfim, desde o século passado vem se chamando arte qualquer besteira cujo autor chame de arte, desde que a imprensa a sacramente como tal. Como imprensa de país pequeno não faz verão, tais vigarices surgem geralmente em países ricos e de prestígio. E só depois viram moda na periferia.

A nudez teve vários significados na história, desde atributo de marginais a método de castigo. Nas sociedades vestidas, nudez é degradação e marca um degrau inferior na escala social. Daí a expressão comum a muitos idiomas, para designar quem nada possui: com uma mão na frente e outra atrás.

Por outro lado, desde os antigos romanos, muitos castigos incluíam a nudez forçada. Os condenados à crucificação eram despidos antes de levados à cruz. Cristo foi executado peladão, a tanguinha que o reveste nos crucifixos é pudor da Santa Madre. Na França do Antigo Regime, o esquartejamento e a morte na roda eram suplícios para os quais o condenado ia nu.

Mais contemporanemente, inícios do século XX, surgiu na Alemanha o movimento do naturismo, o culto da nudez junto à natureza. Da Alemanha, a prática difundiu-se pela Europa e demais continentes. Após a Segunda Guerra, o nudismo foi introduzido nos Estados Unidos. Atualmente, o movimento tem sua maior expansão na França, onde existiriam 10 milhões de naturistas.

Até aí, nada demais. Neste nosso mundo há lugar para pelados e vestidos. O conflito surge quando os pelados querem ocupar o espaço dos vestidos. Cientes de que a nudez fere muita gente, a prática virou provocação política.

Sem ser adepto do esporte, já o pratiquei, às vezes até mesmo sem querer. Na Suécia, já corri nu pelos bosques de Estocolmo atrás de suecas nuas. Não que fosse hábito. Era apenas decorrência de circunstâncias anteriores. O clima era estival, havia muita festa e muito álcool, as saunas eram mistas e o bosque estava ali ao lado. Sem falar nas noites que não eram noites. A corrida de faunos atrás das sílfides era algo quase compulsório.

Por outro lado, ver suecas nuas tomando sol nos parques de Estocolmo faz parte da vida da cidade no verão. Ninguém se molesta com isto. Claro que, se alguém desfilar nu pela Kungsgatan, será interpelado pela polícia. Está fora de lugar.

Na antiga Iugoslávia e nas ilhas gregas, fui a praias de nudismo por vontade própria. Ou nem tanto. Na Croácia, estive em Mljet, a convite de uma brava peoniana. Na pequena ilha havia um lago interior, no qual havia outra ilhota, na qual havia um convento, transformado em colônia de nudismo “pour notre Tito”, como dizia minha anfitriã. Confesso que achei curioso ver famílias inteiras – vovô, vovó, pais, filhos, netos e netas - nadando nus em formação pelas águas do Adriático.
A praia era um cinturão de pedra vulcânica, porosa e pontiguada, que envolvia toda a ilha. Quando se achava o espaço para sentar um traseiro, aquilo era a praia. Nu, não me senti muito confortável. Como tampouco na hora das refeições. Sentar nu junto a uma mesa de repasto é coisa à qual ainda não me habituei. Na foto, o antigo convento de Mljet. A fímbria branca de pedras pontudas, que se vê cercando a terra, é o que os croatas chamam de praia.

Na Grécia, fui a duas praias, mais por curiosidade que por outra coisa. As praias eram em Mykonos, paraíso dos – como direi, em linguagem contemporânea? – neobichas. Ou homoafetivos, como pretendem os togados do STF. Mais apolos que afrodites. Fora isso, contemplei muita nudez em Cannes, durante os festivais de cinema.

Nudez pública não me atrai, não me assusta nem me desagrada. Que estejam a gosto. Uma nudez que me irrita é a comercial. Para vender parafusos, os marqueteiros usam uma mulher nua. Ora, exige-se muita deficiência mental para comprar um produto a partir da imagem de uma mulher nua. Lógicos são os portugueses. Consta que, numa publicidade de venda de carros, foram utilizados cavalos entrando no mar. No dia seguinte, aumentou visivelmente a venda... de cavalos. Nada mais lógico.

Intuindo que nudez pode ser agressão – por associar-se sempre a sexo – ativistas dos diversos ismos que grassam em nossa era contrabandearam o nu para o mundo dos vestidos. Onde, via de regra, nudez constitui contravenção penal. É uma forma leve de contestar o status quo. Leve e ridícula. Sabemos contra o que protestavam os revolucionários de 1776, 1789, 1917. Difícil é adivinhar contra o que protestam os pelados de 2013 na Câmara de Vereadores de Porto Alegre.

Não vejo nada de obsceno na manifestação dos filhinhos de papai. É coisa de moleques que ainda não tiveram de batalhar pela vida e, sem coragem de mostrar o rosto, mostram os traseiros. Obscena é a invasão da Câmara, a aceitação do fato pelos vereadores, a leniência de uma juíza.

A nonchalance com que foi tratada a invasão mostra que as autoridades gaúchas perderam qualquer noção da própria dignidade.


21 de julho de 2013
janer cristaldo
 

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