No quebra-quebra da última quarta-feira no Leblon e em Ipanema, arruaceiros infiltrados em uma manifestação pacífica conseguiram envenená-la. Eram poucos, o estrago foi imenso. Os manifestantes são agora acusados por autoridades de serem manipulados, o que esvazia sua autenticidade e desvia o conteúdo das demandas da rua para a querela personalista. Como se as ruas nada fossem senão marionetes coadjuvantes da tragicomédia partidária. Essa acusação injusta desfigura um movimento cuja causa é nobre.
Os jovens têm o desafio e a responsabilidade de, sem ambiguidades, demarcar-se dos vândalos preservando a lição de democracia que vêm dando ao país. Violência não rima com liberdade.
É difícil entender o novo. O novo atrapalha a teoria.
Quem foi jovem em 68, com saudades de si mesmo, busca similitudes entre os manifestantes de hoje e aqueles de quase meio século atrás. Em vão. Não se é jovem duas vezes, a escultura do tempo é impiedosa. Os jovens de hoje nada têm a ver com aqueles, só a indignação.
Na efervescência em que vive o país, com partidos políticos e sindicatos agonizantes tentando um ultrapassado protagonismo, são os jovens, esses desconhecidos, que esboçam o futuro. Enquanto os partidos se aferram à tomada do poder, eles tomam a palavra e dão exemplo de exercício democrático em que o poder se distribui em múltiplas instâncias de participação.
Quem veio às ruas nesse último mês nasceu depois da queda do muro de Berlim e fez-se adulto quando aluíram as torres gêmeas. Não se define como esquerda ou direita. Não atende a convocatórias de fulano ou beltrano. São cidadãos da nação Facebook, um estado virtual sem fronteiras.
A rede é a grande revolução social que viram nascer e crescer, proeza tecnológica de que são contemporâneos onde se geram os valores de que estão imbuídos: partilha, liberdade de expressão e gratuidade. Diferentes no conteúdo, as manifestações, mundo afora, são similares na forma de organização e expressão porque emergem da cibercultura que é a cultura global contemporânea.
Pós-ideológicos, nossos jovens concentram suas exigências na liberdade, no bem viver e na condenação da corrupção. A liberdade herdada da luta de outras gerações, um patrimônio cujo valor mal avaliam; quando ameaçada, defendem.
Acusados de individualistas, vivem do compartilhamento da informação e, à sua maneira, têm uma vida em comum, posta a nu e acessível a todos, fazendo da transparência uma regra que querem válida em todos os espaços. Daí a ojeriza às zonas de sombra, à trapaça, que consideram a regra do jogo partidário.
Criados na liberdade de expressão absoluta, tocando às vezes as raias da irresponsabilidade, a irreverência juvenil encontrou na rede seu instrumento ideal, que lhes garante não só o direito de se exprimir, mas sobretudo o de ser ouvido, quiçá por milhões de interlocutores.
A gratuidade que experimentam no consumo dos bens culturais disponíveis na rede — ou o que percebem como tal, apesar de essa gratuidade ter valido ao criador do Facebook uma das maiores fortunas do mundo — se traduz na demanda radical de um mundo sem dono.
Na contramão do “tudo tem seu preço”, a juventude “face” tudo disponibiliza, o que é seu e o que é dos outros, tem uma espantosa intimidade com a ideia de que tudo lhe pertence e de graça. O que exacerba sua indignação quando privada daquilo pelo que paga, ou pagam seus pais sob a forma de impostos.
São contra escolas sucateadas, a doença da saúde pública, a infelicidade feliciana e o transporte que não chega a lugar nenhum. Sua meta-demanda é o fim da corrupção. Não merecem a pecha de apolíticos. A rede não os faz individualistas, e sim autônomos e conectados. Capta e traz à tona, na palavra de cada um, tendências de opinião, cria solidariedades que se inscrevem nos seus cartazes.
Sua mobilização instantânea e geométrica provocou um curto-circuito no enferrujado motor das máquinas partidárias que entraram em pane e em pane continuam. Envelheceram no diálogo de surdos com essa população, esmagadoramente jovem, que de repente entrou em cena.
Considere-se um progresso, um retrocesso ou um progresso que contém riscos, nada muda o fato que as redes existem, são um ator político relevante, o Ágora da Pólis do século XXI.
Não há que pôr a culpa nos jovens. Cabe às autoridades identificar quem pratica atos criminosos, dizer à população quem são, impedir sua ação. Confundir os manifestantes com os baderneiros é dar ganho de causa a esses criminosos que tentam, na multidão, se confundir com eles.
20 de julho de 2013
Rosiska Darcy de Oliveira é escritora.
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