MPF solicita novas investigações sobre quebra de sigilo de tucanos em 2010. O Ministério Público Federal acusa a Polícia Federal de desvios na apuração do episódio que marcou a última eleição presidencial – e recomenda que se investigue a cúpula do comitê de pré-campanha de Dilma
Denúncias de jogo sujo em campanhas eleitorais costumam ser embaraçosas para os candidatos – e às vezes fatais para seus projetos políticos. Em março de 2002, Roseana Sarney despontava como uma das favoritas para a Presidência da República, quando a Polícia Federal (PF) apreendeu R$ 1,3 milhão em dinheiro vivo no escritório de uma empresa de sua propriedade.
Ela foi obrigada a abrir mão da candidatura. Em 2006, Lula caminhava para uma reeleição fácil, quando petistas “aloprados” foram pilhados na compra de um dossiê fajuto contra políticos tucanos. O episódio foi considerado fator decisivo para a disputa ter ido para o segundo turno.
Agora, um escândalo que marcou a eleição de 2010 volta a assombrar a presidente Dilma Rousseff, pré-candidata à reeleição em 2014: a quebra do sigilo fiscal de pessoas ligadas ao oposicionista José Serra. No mês passado, de acordo com documentos a que ÉPOCA teve acesso com exclusividade, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou os responsáveis pelo crime, acusou a Polícia Federal de desvios na condução do caso – e solicitou novas investigações sobre os mandantes.
É aí que a coisa começa a esquentar para Dilma e para medalhões do PT. Na rota de investigação da Procuradoria da República estão o presidente do partido, Rui Falcão, e o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel.
Os dois tiveram funções de destaque na campanha de Dilma em 2010 e se envolveram, ainda que de modo indireto, com o jornalista Amaury Ribeiro Jr., acusado de ter encomendado, de forma criminosa e por meio de uma cadeia de despachantes, papéis da Receita Federal protegidos pela lei.
A ideia de criar um “grupo de inteligência” na pré-campanha de Dilma começou a ser montada no restaurante Fritz em Brasília, numa tarde de abril de 2010. Sentados à mesa, conferindo o cardápio de comida alemã, estavam Amaury, o araponga Idalberto Matias Araújo, conhecido como Dadá, o delegado aposentado Onézimo de Souza e o jornalista Luiz Lanzetta, contratado para pilotar a empreitada.
Os alvos da espionagem eram petistas rivais e, principalmente, os tucanos que tinham lançado José Serra candidato a presidente. O “grupo de inteligência” montou seu Q.G. numa casa alugada por R$ 18 mil no Lago Sul, área nobre de Brasília.
As atividades da turma vieram a público quando o jornal Folha de S.Paulo revelou, em junho de 2010, que o sigilo fiscal de Eduardo Jorge Caldas Pereira, vice-presidente do PSDB, fora quebrado ilegalmente – e que os documentos circularam entre os integrantes do grupo de inteligência.
Mais tarde, o jornal revelou a violação também dos sigilos de Verônica Serra, filha de Serra, do ex-ministro no governo FHC Luiz Carlos Mendonça de Barros, do ex-diretor do Banco do Brasil Ricardo Sérgio e de Gregório Marin Preciado, também da família de José Serra.
Dois dias depois, o inquérito foi distribuído para a delegada Fernanda Costa, lotada na Superintendência da PF em Brasília. A partir daí, começou a vir à tona aquilo que os procuradores chamaram de a “conduta grave” de Uruguai. Ainda em 2010, a PF teve acesso aos registros de chamadas telefônicas feitas por Amaury.
Foi assim que os policiais chegaram ao nome de Dirceu Garcia, um dos despachantes que colaboraram com Amaury. Uruguai decidiu parar por aí. Não mandou sequer os relatórios com a lista de todos os interlocutores dos alvos do grampo telefônico.
Até mesmo a delegada Fernanda teve de solicitar a ele o material bruto das gravações. Numa das certidões que ela fez constar do inquérito, Fernanda relata que Uruguai mandara dados das gravações para seu e-mail pessoal, mas sem anexá-los ao inquérito.
O MPF solicitou à Corregedoria da PF que abra um procedimento contra Uruguai. Também pediu à Procuradoria da República do Distrito Federal que apure a suspeita de infração disciplinar e improbidade administrativa. “Vossa Excelência deferiu uma série de medidas visando à identificação dos interlocutores de alguns dos autores dos fatos investigados, indiciados nos autos, em relação aos quais foi deferido acesso a dados telefônicos, e não consta relatório elaborado pela Polícia Federal indicando quem são esses interlocutores, medida importante para decidir que caminhos tomar na investigação”, escreveram os procuradores responsáveis pelo caso numa das manifestações ao juiz competente. “Assim postos os fatos, assinale-se, primeiramente, que o MPF considera elucidada a parte de execução dos delitos investigados nestes autos em relação a autoria e materialidade. Contudo, não considera inteiramente esclarecida a autoria intelectual ou mediata do delito.”
Após anos de investigação, resta sem resposta a principal questão levantada no caso: afinal, Amaury agiu por conta própria ou a mando da coordenação da campanha de Dilma? Amaury alega que agiu por conta própria.
Em depoimentos à PF ainda em 2010, ele acusou Rui Falcão de ter roubado arquivos de seu computador, dando a entender que era Rui o responsável pelo vazamento das atividades do grupo de inteligência à imprensa.
Posteriormente, no final de 2011, Amaury lançou o livro A privataria tucana, em que reafirmou as acusações contra Rui Falcão. Tanto nos depoimentos à PF quanto em sua obra, Amaury negou que tivesse encomendado a quebra de sigilo fiscal e disse que seu contato com os despachantes se destinava a levantar documentos legais para seu livro – cujo trabalho de pesquisa começara antes de ele se aproximar da pré-campanha de Dilma Rousseff.
“Não há como colocar em dúvida que Amaury investigou fatos envolvendo o governo Fernando Henrique Cardoso e Ricardo Sérgio Oliveira durante anos na condição de jornalista.
Contudo, da mesma forma são extremamente nebulosos vários aspectos de sua conduta e de sua versão para ela, tais como seu envolvimento com o comitê de pré-campanha de Dilma Rousseff”, escreveram os procuradores no relatório obtido por ÉPOCA. “Não há dúvidas de que a ligação existente entre Amaury e membros da chamada ‘comunidade de informações’ foi o motivo que levou Luiz Lanzetta a convidá-lo para trabalhar no comitê de campanha de Dilma Rousseff e que, ao menos até o momento da reunião no restaurante Fritz, encontrava-se auxiliando Luiz Lanzetta a montar uma estrutura de ‘contrainteligência’ no comitê.”
No mês passado, a Procuradoria da República no Distrito Federal denunciou à Justiça Amaury e outros quatro acusados de praticar a quebra de sigilo fiscal: os despachantes Dirceu Garcia e Antonio Carlos Atella, o contínuo Ademir Cabral e a ex-funcionária pública cedida à Receita Federal Adeildda dos Santos, demitida após o escândalo.
O Ministério Público entendeu que foram cometidos crimes de corrupção ativa, violação de sigilo funcional, falsificação de documento, falsidade ideológica e uso de documento falso. A Justiça ainda não decidiu se recebe ou rejeita a denúncia. Somente se a Justiça aceitar a denúncia, o caso terá prosseguimento e poderá se transformar em processo.
O advogado de Amaury, Adriano Bretas, afirmou que ainda não tivera acesso à íntegra da denúncia, mas que já “vislumbrava de antemão um excesso na acusação”. “Os limites da acusação foram extrapolados.
O Amaury nega ter quebrado qualquer sigilo ou ter tido acesso a qualquer material sigiloso. Tudo a que ele teve acesso, ele tem como demonstrar a licitude.
Existem crimes imputados a ele que só poderiam ser cometidos por um funcionário público. Essa denúncia será recusada, senão integralmente, ao menos parcialmente”, afirmou. Indagado sobre se Amaury, no período em que esteve na casa do Lago Sul, manteve conversas pessoalmente ou por telefone com integrantes do PT, Bretas deu a seguinte resposta: “Primeiro, se ele estava na casa do Lago Sul, ou não, eu não sei. Segundo, com quem ele costumava conversar, ou não, será dirimido no curso do processo, se é que haverá processo”.
Os procuradores concluíram, no entanto, que denunciar apenas os cinco não bastava para elucidar o caso. Será preciso dar continuidade às investigações sobre o que eles chamam de “núcleo criminoso de Brasília” e a “comunidade de informações”.
Dessa forma, o MPF solicitou a abertura de um novo inquérito, orientado para identificar os mandantes ou “autores intelectuais” do crime.
A abertura do novo inquérito também depende de decisão judicial. O MPF solicitou à Justiça que Lanzetta fosse reinquirido. Ele já prestara depoimento em 2010, quando confirmou a participação na reunião do restaurante Fritz, em Brasília, mas negou ter contribuído ou tomado conhecimento da produção de dossiês pelo grupo de inteligência da pré-campanha de Dilma.
Como considerou que essa fase da investigação ficou comprometida por uma possível omissão da PF, o MPF pediu para Lanzetta esclarecer uma série de pontos obscuros até aqui, entre eles quem eram seus contatos políticos diretos e indiretos no PT.
O MPF quis também que Lanzetta identificasse as pessoas que trabalhavam no Q.G. do Lago Sul, que funções exerciam e a fonte de recursos para o pagamento de seus salários. Procurado por ÉPOCA, Lanzetta disse que não comentaria o caso.
Ele afirmou que já foi ouvido novamente sobre o contrato que manteve por três meses com o diretório do PT no começo de 2010. ÉPOCA não teve acesso ao novo depoimento de Lanzetta.
Pela lógica dessa nova oitiva, também deverão ser chamados para prestar mais uma vez depoimentos os petistas Rui Falcão e Fernando Pimentel. Eles foram ouvidos em 2010. Admitiram que frequentaram a casa do Lago Sul, mas negaram ter tomado conhecimento de qualquer prática ilegal pelo grupo de inteligência, como grampos telefônicos ou produção de dossiês contra adversários.
Por meio de sua assessoria, o ministro Fernando Pimentel disse que não comentaria o assunto. Rui Falcão também preferiu não se manifestar sobre o caso. Diante das acusações feitas por Amaury de que ele furtara informações de seu computador num quarto de hotel em Brasília, Rui Falcão moveu ação contra o jornalista.
20 de julho de 2013
LEONARDO SOUZA - Epoca
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