Investigação de um ano e quatro meses da Polícia Federal aponta que esquema de superfaturamento e desvios de verbas, com conluio em licitação e uso de empresas fantasmas, serviu para pagar o publicitário Duda Mendonça e campanhas de políticos do PSB e PSD.
O inquérito da PF, ao qual a Folha teve acesso, foi enviado nesta semana para a Justiça, a Controladoria-Geral da União e o Tribunal de Contas da União.
Segundo a PF, o desvio ocorreu em programa de implantação de internet grátis na Paraíba, por meio da empresa Ideia Digital, com recursos do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Na época da assinatura do convênio de R$ 6,25 milhões com a Prefeitura de João Pessoa (outubro de 2009), a pasta era comandada pelo PSB --teve ministros como Roberto Amaral, vice-presidente da sigla, e o hoje governador Eduardo Campos (PE).
Editoria de Arte/Folhapress |
A Ideia venceu a licitação por meio de esquema fraudulento, segundo a investigação da PF e da Controladoria-Geral da União. Participaram da disputa "fictícia", nas palavras da polícia, empresas formadas por funcionários da Ideia e outras cujos documentos eram falsificados para simular uma concorrência.
O contrato teve verba de emenda parlamentar de R$ 18,5 milhões. Apesar de a emenda ser da bancada da Paraíba na Câmara dos Deputados, quem indicou o projeto foi o hoje vice-governador do Estado, Rômulo Gouveia (PSD), na época deputado. Ele foi indiciado por corrupção passiva.
Segundo a PF, houve superfaturamento de cerca de R$ 1,6 milhão e pelo menos R$ 1,1 milhão serviu para pagar a empresa de Duda Mendonça pela campanha de 2010 do atual governador Ricardo Coutinho (PSB-PB), por meio de empresas fantasmas.
Duda figurou no julgamento do mensalão justamente sob acusação de ter participado de um esquema de lavagem de dinheiro após ter recebido pagamento de campanha no exterior sem declarar às autoridades. Naquele caso, ele foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal.
O dinheiro foi repassado pela Ideia Digital para duas empresas de São Paulo, a Brickell Processamento de Dados e Rigusta Informática. A PF esteve na sede delas e afirma que são fantasmas. Na Brickell, uma mulher disse morar na casa desde 1976 e desconhecer os sócios da firma.
Com informações do Coaf (órgão de inteligência financeira do Ministério da Fazenda) e de bancos, os policiais descobriram que a conta bancária de uma das empresas era movimentada por um motoboy e pelo diretor financeiro da Duda Mendonça Propaganda. A PF afirma que os dois eram prepostos do publicitário.
Conclui o relatório: "As empresas fantasmas tinham faturamento imaginário, figurando apenas como interpostas no processo de lavagem de dinheiro".
Como o governador da Paraíba tem foro privilegiado e só pode ser processado pelo Superior Tribunal de Justiça, os supostos crimes dele e de Duda não foram formalmente apontados --os investigadores pedem que isso seja feito em outro inquérito. Para a PF, há indícios claros de que houve lavagem de dinheiro.
ENDEREÇO
A aposentada Francisca Silva, 65, vive com marido e filhos no endereço em que está registrada a Brickell, uma casa simples no Jardim Sidney, zona oeste de São Paulo. "Aqui não tem empresa, é tudo residência. Isso aqui há 40 anos que é meu. Foi algum pilantra que fez isso", diz.
Ela conta receber cartas endereçadas à Brickell há cerca de três anos --a maioria cobranças-- e diz que já foi procurada pela polícia. "Não temo porque não devo, mas tenho medo [do dono da empresa], porque na mão deles a gente é peixe pequeno."
Moacyr Lopes Junior/Folhapress | ||
Fachada da casa em que está registrada a Brickell, em São Paulo |
OUTRO LADO
O governo da Paraíba informou que o governador Ricardo Coutinho não foi notificado para prestar qualquer esclarecimento sobre o caso e que o vice Rômulo Gouveia já provou "a total lisura de sua atuação enquanto parlamentar federal que alocou recursos para a capital paraibana".
Além de negar participação de Coutinho e Gouveia no esquema investigado pela PF, a assessoria do governo paraibano afirma que "inquérito policial, que até onde se sabe, não envolve o governador, encontra-se sob segredo de Justiça".
Informou ainda que o vice governador "não se envolveu no procedimento licitatório ou de execução contratual, nem obteve qualquer favorecimento deste ou de qualquer outra emenda durante o seu mandato".
A assessoria de imprensa da empresa do publicitário Duda Mendonça disse que ele estava viajando e que ninguém poderia responder.
Segundo o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, Duda Mendonça não foi ouvido no inquérito, mas está à disposição da polícia.
O advogado disse que Duda prestou os serviços e apresentou notas da sua empresa.
O advogado dos sócios da Ideia Digital, Maurício Vasconcelos, disse que o programa Jampa Digital, que oferece internet, "está pronto e funcionando" e negou irregularidades. Segundo o advogado, durante a implantação houve "percalços operacionais".
Sobre as investigações da PF, ele disse aguardar o desfecho "para ver como o Ministério Público se posiciona".
20 de julho de 2013
FERNANDO MELLO e FERNANDA ODILLA - Folha de São Paulo
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