Muitos, se não a maioria, dos que não se importam com a entrega das riquezas do País à oligarquia financeira transnacional e a seus bancos e empresas, precisam mudar de atitude. Não é uma questão de patriotada, mas de entender que sem soberania um povo fica privado de dignidade e de prosperidade e até da chance de sobreviver.
Se o Brasil continuar à mercê de corporações transnacionais, bancos e potências imperiais, aumentará o fosso entre a minoria, cada vez menor, dos servidores desse sistema de poder e a maioria, esmagadora e crescente, dos brasileiros que vivem em condições de vida insuportáveis. Na verdade, escravos com seu destino nas mãos do império.
O fosso começou a ser alargado desde 1954, logo após o golpe militar-udenista que entregou, de bandeja, o mercado do País às transnacionais, através de privilégios incríveis, mantidos e aumentados nos cinco anos de JK. Esse processo foi-se agravando e, hoje, longe de ser revertido, prossegue intensificando-se.
As potências anglo-americanas não apenas intervieram nos golpes de 1954 e 1964, mas também determinaram o curso político do País desde o começo dos anos 80.
Neste mês a grande mídia não teve como esconder as revelações de Snowden, ex-contratado terceirizado dos serviços secretos dos Estados Unidos, sobre a abrangência da espionagem eletrônica, telefônica etc. que estes fazem, há muitos anos, dentro do Brasil. Entretanto, quase não se divulgam as ações dos serviços de outras potências, como o Reino Unido.
Esse controle sobre as telecomunicações nem necessitava das tecnologias de captação de informações que os EUA hoje aplicam em quase todo o mundo. De fato, o grau de traição ao País foi de tal ordem, que o Brasil ficou, em 1998, sem satélite próprio de telecomunicações, com a privatização da EMBRATEL, controlada pela MCI dos EUA.
Datam de longe as intervenções do governo dos EUA praticadas para abortar iniciativas capazes de contribuir para o desenvolvimento tecnológico do Brasil. Nos anos 70 e 80, os EUA vetaram a importação de componentes estratégicos pela EMBRAER e causaram o fechamento da empresa ENGESA, que fabricava blindados, ao intervir junto à Arábia Saudita para cancelar um grande contrato.
Em consequência do modelo instituído no Brasil a partir de 1954 - a que se atribuíram os falsos milagres de crescimento do PIB, pouco depois traduzidos em dívidas e estagnação - o poder das transnacionais sobre o mercado foi suficiente para asfixiar as empresas privadas nacionais, matando, no ovo, as possibilidades de estas desenvolverem tecnologia.
Entre as intervenções diretas das potências imperiais (EUA à frente), avulta ter feito explodir o míssil da missão espacial brasileira, na base de Alcântara, matando no ato seus mais de 20 membros, no momento do lançamento. Além disso, os EUA pressionaram a Ucrânia para não transferir tecnologia ao Brasil, como prevê o acordo de cooperação espacial com esse país.
Os EUA arranjaram com o governo de FHC um acordo para a cessão da base de Alcântara para lançamentos, altamente lesivo para nós, pois permite a construção de instalações e a entrada no País de equipamentos e efetivos das Forças Armadas da mais agressiva potência militar do mundo.
Com a saída do mega-entreguista FHC em dezembro de 2002, esse acordo esteve, até há pouco, parado no Congresso, tendo sido agora colocado na pauta de votações do plenário da Câmara dos Deputados, o que confirma estar a atual presidente cedendo às pressões imperiais em questões vitais para a soberania do Brasil.
Outros atos de submissão ocorrem com o petróleo. Pelo menos três destes terão, se não forem revertidos, consequencias fatídicas para o País.
Primeiro, os leilões, em maio de 2013, de campos de petróleo na plataforma continental, com reservas de 19 bilhões de barris, na cotação atual, US$ 2 trilhões. Segundo: o anúncio de leilão para o campo Libra, na área do Pré-Sal, com reservas de 12 bilhões de barris. As duas medidas envolvem mais de 30 bilhões de barris.
Mormente nas condições infracoloniais do sistema tributário brasileiro, leiloar petróleo para empresas estrangeiras significa dar-lhes todo ele. Fora do Pré-Sal, o Brasil só recebe 10% de royalties sobre aquilo a transnacional declarar (o que ninguém confere). Não há impostos nem contribuições sobre a exportação.
Os agentes pagos e os enganados dirão que o Brasil obterá grande quantidade de divisas (moeda estrangeira). Nós respondemos: quem recebe as divisas são os exportadores, as petroleiras estrangeiras.
Estas venderão as divisas ao Banco Central, o qual, para pagá-las, emitirá moeda nacional (reais) em quantidade assombrosa: quando estiverem exportando 3 milhões de barris/dia = 1.080 bilhões barris/ano, serão cerca de US$ 356 bilhões, o equivalente a 150% do total das atuais exportações do Brasil. Ao câmbio de R$ 2,2 por dólar, estamos falando de R$ 783 bilhões = 3,5 vezes o atual saldo médio da base monetária.
Então? Ou o Banco Central emitiria moeda, e as petroleiras estrangeiras ficariam com caixa para comprar todas as empresas, bancos e propriedades que quisessem no Brasil, ou emitiria títulos da dívida pública, dentro da tradicional política de enxugar a base monetária.
Neste caso, aumentaria, de golpe, em 50% o estoque dos títulos da dívida pública fora do Banco Central, e cresceria em 25% o absurdo serviço da dívida, que já consome quase metade das despesas da União. Com a dinâmica da composição dos juros, a explosão não demoraria.
Terceiro desastre com o petróleo: a deterioração das finanças da Petrobrás, decorrente das políticas antinacionais prevalecentes na ANP e na própria estatal, desde 1997, quando da instituição da Lei 9.478.
Nada melhor que ter uma empresa nacional responsável pelo abastecimento do País, a qual logrou êxitos notáveis na pesquisa e exploração (descobrindo enormes reservas), em contraste com os países que se entregam ao cartel anglo-americano.
Ora, a política brasileira dominada por interessados na inviabilização do desenvolvimento nacional, vem minando a (ex?) estatal, fazendo reduzir sua capacidade de investimento e, ao mesmo tempo, abrindo, sem a menor necessidade, ao cartel mundial as reservas por ela descobertas.
Com essa fieira de inesgotáveis danos ao País: 1) ele entrega a principal fonte de energia, tendente à escassez, do mercado mundial; 2) cria terrível inflação e torna ainda mais letal a dívida pública; 3) recebe dólares, com os quais nada pode fazer no exterior (os juros lá são desprezíveis, e as potências estrangeiras não vendem ativos produtivos estratégicos); 4) com a abundância de divisas para importar, agrava a desnacionalização e a desindustrialização, suas principais desgraças estruturais.
Mais uma capitulação, que leva o Brasil à ruína: a volta das elevações da taxa básica dos juros, SELIC. Neste ano, ela subiu de 7,25% para 8,5%, com o que caem as possibilidades de reduzir os gastos federais de R$ 753 bilhões, de 2012, com juros e amortizações das dívidas interna e externa = 43% das despesas totais da União.
Não há que crer nos artifícios contábeis das “autoridades monetárias”. Elas apresentam as despesas da dívida expurgadas de correção monetária, o que não é correto: quando você paga R$ 30 reis para almoçar, você está pagando R$ 30,00 mesmo; não há razão para deduzir a variação do IGP-M no ano.
Outra coisa: não computam o que é pago por meio de títulos públicos, como se não tivesse sido pago: se um aplicador resgata títulos comprados há um ano, a juros de 15% aa., no valor de R$ 100 mi, e o Tesouro lhe paga, com novos títulos, R$ 115 mi, há que incluir esta quantia na despesa, pois o título do Tesouro vale dinheiro e, além disso, rende juros.
Ademais, as autoridades não incluem no total os títulos do Tesouro em poder do Banco Central, cuja maior parte circula entre o BACEN e os bancos, nas operações de mercado aberto.
Os brasileiros são espoliados também pelos juros bancários, a taxas muito maiores que as abusivas pagas pelo Tesouro nos títulos públicos. O crédito de pessoas físicas e jurídicas chegou a R$ 2,4 trilhões = 54% do PIB. Se calcularmos taxa média de 30% aa., a conta dos juros, fora a da dívida pública, é quase outro tanto: R$ 720 bilhões.
Mais importante, além de estar na origem de todos os males da economia e das finanças, é o que vai para o exterior de lucros escondidos das transnacionais, através de diversas contas do balanço de pagamentos. Eles vêm dos altíssimos preços que elas praticam aqui dentro: é o mesmo que um imposto, só que pago pelos brasileiros às empresas transnacionais, em vez de ser pago ao governo, equivalente a outra carga tributária de 35% do PIB.
Do financiamento dos déficits externos resultantes das transferências em várias contas do balanço de transações com o exterior, resultou a dívida externa, e desta saiu a dívida interna, quando faltaram divisas para servir aquela. Em função disso, os engenheiros brasileiros não têm empregos, e não se desenvolve tecnologia no País. Ademais, as pessoas ficam até sem saber para que servem as matérias primas e o preço que deveriam ter.
Como reagem os governos que têm fingido governar o País? Dão dinheiro e crédito barato às transnacionais e a aquinhoados em novas concessões públicas, como ocorre com o transporte, portos e aeroportos, estradas com pedágios abusivos etc. E cortam impostos das transnacionais e outros concentradores.
Não reduzem, porém, os tributos que recaem sobre os cidadãos. Ao contrário, estes são onerados adicionalmente pelos sobrepreços dos oligopólios, como aponto no parágrafo 28 acima, e se exemplifica com os bens industriais, de qualidade sofrível, e, amiúde, custando o dobro de seus congêneres no exterior.
27 de julho de 2013
Adriano Benayon é doutor em economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.
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