"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 15 de agosto de 2013

ESPIONAGEM NÃO SE RESTRINGE A QUESTÕES DE SEGURANÇA


Reportagem de Flávia Poraque, Folha de São Paulo de14, focalizou o encontro em Brasília entre o Secretário de Estado John Kerry e o chanceler Antonio Patriota, quando o ministro das Relações Exteriores pediu claramente o fim das interceptações americanas em território brasileiro.
 
Kerry admitiu as interceptações sustentando que a espionagem ajuda a garantir a segurança dos cidadãos de todo o mundo, inclusive portanto os brasileiros. O tema é complexo por todos os ângulos que o envolvem e a resposta do Secretário de Estado dos EUA foi incompleta.

Em primeiro lugar, a interceptação, que parte de um princípio intervencionista, teria que partir de um acordo prévio que a autorizasse. Não houve acordo algum nesse sentido. Tanto assim que o chanceler brasileiro cobrou o fim da atividade , pois o governo brasileiro sequer sabe como é feita concretamente. Em segundo lugar, o controle unilateral das comunicações de um país pelo outro não é algo capaz de ficar restrito ao campo da segurança pública.

Nos Estados Unidos houve o atentado de 11 de setembro de dimensão dantesca. Qual o atentado dessa ordem ocorrido em nosso país? Se este argumento não fosse suficiente, poder-se-ia indagar se o 11 de setembro apresentou alguma ramificação no Brasil. Não apresentou, não houve isso. Tal hipótese, como os fatos comprovaram, sequer foi algo remoto.
SEM BASE LÓGICA
Então, além de violar o Direito Internacional, a intervenção norteamericana não possui a menor base lógica. Trata-se de espionagem pela própria espionagem, sem qualquer outro sentido, no plano político da segurança. Mas o controle do sistema de comunicação de uma nação por outra não é apenas relativo ao campo de atentados e ações armadas. Não. É muito mais amplo.

Estende-se ao plano econômico, ao universo financeiro, às aplicações em Bolsa de Valores, no espaço da pesquisa científica e tecnológica, nas descobertas que surgiram em todos os setores, na capacidade de investimentos de empresas, sejam estatais ou privadas, nas reservas minerais e na sua exploração, entre elas a de petróleo incluindo os futuros campos submarinos do pré-sal.
Mas o rol de impropriedades e ilegalidades não termina ainda aí. Ao contrário. Estende-se à vida particular das pessoas, em várias hipóteses ultrapassando o direito do sigilo inclusive bancário e comercial.
Além desse aspecto, existe o aspecto individual. Sobretudo porque violar a comunicação privada representa sempre uma perspectiva ameaçadora que em muitos casos pode se transformar em sérios problemas, até em dramas e tragédias.
Deve-se considerar também que, paralelamente a tudo isso, devassar a vida particular das pessoas pode se transformar repentinamente em instrumento ilegítimo de troca, ou de extorsão e chantagem. John Kerry sustentou que a espionagem exercida ajuda a garantir a segurança de brasileiros. Porém a afirmação é vaga.
Deveria especificar o que foi efetivamente praticado, quais conversas foram gravadas, por certo o número eleva-se a milhares de horas, o que foi feito com o material obtido. Isso porque o material, como ocorre em tais casos, é remetido a interpretações, ficando sujeito a análises de vários tipos.
Não tem cabimento, portanto, que a atividade seja praticada de forma unilateral e, sobretudo, sem o conhecimento de uma das partes envolvidas na operação ilegal e ilegítima. A espionagem, mesmo em períodos de guerra declarada, é sempre algo à margem do Direito Internacional. Tanto assim que os espiões não são amparados por lei de espécie alguma, nem por qualquer princípio de reciprocidade. Basta isso para desclassificar a atividade de forma total.

15 de agosto de 2013
Pedro do Coutto

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