"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 15 de agosto de 2013

O PARADOXO DE EPICURO APLICADO AOS NINJAS

 

Deus deseja prevenir o mal, mas não é capaz? Então não é onipotente. É capaz, mas não deseja? Então é malevolente. É capaz e deseja? Então por que o mal existe? Não é capaz e nem deseja? Então por que lhe chamamos Deus? – Epicuro
Eis o famoso paradoxo de Epicuro. Os teólogos arriscam algumas repostas, mas não vem ao caso aqui. Não quero debater o complexo conceito de Deus, de onisciência e de livre-arbítrio. O que quero é apenas pegar a ideia desse dilema divino e transportá-lo para a nossa realidade política. Substitua Deus por grande imprensa, e pronto!
 
A esquerda vive acusando a grande imprensa de “golpista”, de “conservadora”, de “neoliberal”. Globo, Folha, Estadão e Veja, todos na lista negra desses que vibram de tanta emoção com a “nova mídia do povo”, os Ninja. “Finalmente alguém para desbancar esses reacionários!”, eles bradam.
 
Não vou nem lembrá-los de que Verissimo, Vladimir Safatle, Clovis Rossi, Daniel Araão Reis, e tantos, tantos outros esquerdistas escrevem nesses veículos, sem falar dos jornalistas. Vou aceitar a premissa deles: são instrumentos conservadores, reacionários, neoliberais etc., todos em constante batalha para derrubar o PT. Pergunto, então: por que não derrubam? Por que o PT está no poder há mais de uma década?
 
Eles acusam a grande imprensa de possuir um poder quase onipotente sobre as mentes dos brasileiros, mas logo depois acusam a mesma imprensa de fazer parte da tal “mídia golpista”. Ora bolas: as facas Ginsu conseguem ou não cortar as meias Vivarina? Para quem não tem idade suficiente ou boa memória, as facas Ginsu cortavam “tudo” nos comerciais, e as meias Vivarina não rasgavam por “nada” nos comerciais. Eis o impasse…
 
Ou a grande imprensa é tão poderosa quanto dizem e não tem nada de golpista contra o PT, que está no poder há mais de década, ou ela não tem tanto poder quanto afirmam. Não dá para ser A e Não-A ao mesmo tempo. Questão de lógica elementar, meu caro Watson. Mas vai falar em Aristóteles (ou mesmo Sherlock Holmes) com essa turma, leitora de orelha de panfletos marxistas…
 
E por que falo dos Ninjas novamente? Porque pelo teor de muitas mensagens de esquerdistas raivosos, essa nova mídia será revolucionária, e vai finalmente desbancar a mídia tradicional, poderosa e golpista. Há controvérsias. Há várias controvérsias.
 
Primeiro, como já vimos, essa mídia tradicional não tem esse poder todo que alegam, ou então não joga tão contra a própria esquerda assim. Em segundo lugar, pode sair um ou outro “furo” de reportagem de gente sem preparo com um telefone na mão e nada mais, além da “coragem” (psicanalistas poderiam dizer que é “pulsão de morte”); mas dificilmente teremos conteúdo trabalhado, editado e confiável para o consumo.
 
Vídeos de horas a fio de “cobertura” de eventos podem entreter um ou outro desocupado (daqueles que são “estudantes” até 29 anos e passam o dia jogando sueca na faculdade, entre um bagulho e outro), mas normalmente as pessoas trabalham. E por isso mesmo, pela falta de tempo em um mundo corrido, elas selecionam intermediários de confiança para “mastigar” tanta informação bruta disponível no mundo de hoje. Até mesmo as informações vazadas pelo WikiLeaks chegaram até você pela grande imprensa, posso apostar!
 
Isso sem falar de quem agrega opinião crítica, algo que, como ficou evidente na entrevista de dois representantes da Mídia Ninja, lhes falta por completo. Portanto, eu recomendaria muita cautela aos encantados com esse instrumento. Sua utopia, como toda utopia, vai apenas decepcioná-los.
 
Não vou dizer que a tal mídia tradicional, mainstream, não merece críticas. Claro que merece! Mas seus veículos não sobreviveram até aqui sem depender de verbas estatais em peso por nada. É porque elas construíram um mínimo de credibilidade ao longo do tempo. A imparcialidade total é um mito, e os Ninjas nem passam perto disso. Mas o selo de qualidade ainda tem valor, pois buscamos intermediários que facilitem nosso acesso a tanta informação disponível.
 
A crise financeira mundial de muitos desses veículos tem ligação com a era digital do “tudo grátis”. Ficou mais difícil remunerar quem produz, de fato, informação e análise crítica. Mas os acessos a essa imprensa tradicional crescem, e ela ainda é usada como fonte principal, mesmo nas redes sociais. É cedo para decretar seu obituário. Até porque a alternativa não parece muito animadora para os que exigem mais rigor analítico antes de cuspir dados…
 
Por fim, como mostrou o paradoxo de Epicuro aplicado aos Ninjas, eles podem até continuar repetindo que a grande imprensa é poderosa e parcial contra a esquerda, mas terão de explicar porque exatamente esse poder todo não impediu a mesma esquerda de chegar no poder e por lá ficar tanto tempo, causando esse estrago enorme ao país. Com a palavra, os Ninjas…

15 de agosto de 2013
Rodrigo Constantino

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