"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

"O ARTISTA", DE MICHEL HAZANAVICIUS

Uma reflexão sobre a morte do cinema mudo.

O Artista, uma produção franco-americana, foi indicado à 10 categorias no Oscar 2012. Isso já é por si só uma novidade, por ser um filme não anglófono. Porém, o mais incrível é que se trata de um filme mudo! A idéia de realizar uma produção desse tipo demorou a ser comprada pelos produtores do filme, que somente deram o aval ao diretor Michel Hazanavicius após o sucesso de seus dois filmes anteriores, thrillers sobre espionagem.

Com um orçamento de cerca de 15 milhões de dólares, ele realiza essa homenagem ao cinema mudo, onde há uma preocupação estética com relação à fidelidade com os originais: O formato quadrado da projeção, a cuidadosa interpretação dos atores, além da música própria dos filmes mudos (talvez o melhor elemento do filme), conferem a O Artista uma qualidade inegável, muito próxima dessa linguagem perdida. Ao assistir essa interpretação do cinema mudo na atualidade, podemos perceber como este cinema é de certa forma superior ao cinema falado, muito mais universal, possibilitando ainda um escopo maior de interpretações pelo espectador. Em muitas cenas, o que é falado sequer aparece na legenda, ficando o seu significado à critério da apreciação da platéia.

Um fator fundamental no sucesso do filme, é de que ele problematiza o próprio cinema, uma vez que fala sobre a passagem do cinema mudo para o cinema falado. Podemos compreender um pouco, então, sobre como a morte de uma linguagem fecha uma série de possibilidades, acaba com uma forma absolutamente complexa de interpretar o mundo. A estória do ator George Valentin, estrela do cinema mudo que entra em decadência com o aparecimento da voz nos filmes, se confunde com a ascensão de Peppy Miller, uma atriz representante da nova geração do cinema falado. Essa história fica mais interessante, quando esses personagens se apaixonam, e entre encontros e desencontros, podemos perceber o drama daqueles que insistem em realizar uma arte condenada ao desaparecimento.



Em meio a essa trama, podemos observar um pouco das relações dentro de um estúdio de cinema, além de se deliciar com algumas cenas até mesmo ingênuas, como a do cachorrinho (um personagem importante na história) que salva o seu dono de um incêndio, e a morte do herói, em um filme de sua própria direção, sugado por uma incrível e saudosa areia movediça. A música, com algumas partes retiradas de clássicos, como Vertigo, de Hitchcock, ativa uma atmosfera de puro cinema.

É notável a semelhança da história do galã em decadência, com o que realmente aconteceu a uma série de atores na passagem do cinema mudo para o cinema falado. Essa trajetória é exemplificada pelo absolutamente genial Buster Keaton, que de astro do cinema mudo, dirigindo e atuando como um personagem até hoje hilário, passou a fazer pequenas pontas em produções sonoras, acabando em um miserável ostracismo. Ao assistir esta produção crítica, de meta-cinema, sobre o filme mudo, podemos perceber a qualidade destes filmes, que fazem parte de uma linguagem esquecida, resgatada agora na sua essência.
Francisco Taunay
10/02/2012

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