Gilmar Mendes começa a seguir a trilha de Eliana Calmon na limpeza do Judiciário.
Em entrevista a Felipe Recondo, do Estadão, o ministro Gilmar Mendes, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, defende enxugar os benefícios do Ministério Público que hoje são atribuídos aos magistrados, como licença-prêmio e auxílio-moradia. Além disso, critica a falta de critério para os pagamentos de atrasados e denuncia que a lei não permite a venda de férias pelos magistrados, como está ocorrendo no país inteiro.
O ministro, que agora parece estar seguindo a trilha da ministra Eliana Calmon, corregedora do Conselho Nacional de Justiça, que se empenha na limpeza do Judiciário, um dos poderes apodrecidos da União, sugere também não ser possível discutir a punição a militares, porque já existe decisão do STF sobre a Lei de Anistia, e a punição não acontecerá nem mesmo se a Comissão da Verdade vier a identificar responsáveis por crimes cometidos durante a ditadura militar.
E critica também a Lei da Ficha Limpa.
A seguir, os principais trechos da entrevista a Felipe Recondo.
O Congresso deveria mudar a Lei da Ficha Limpa?
Me parece que a Lei da Ficha Limpa vai causar vítimas em todos os partidos com essa amplitude. É uma roleta russa feita pelos partidos com todas as balas no revólver. Ainda vamos ouvir falar muitas vezes da Lei da Ficha Limpa. Vamos ter muitas peripécias. Acredito que o Congresso, passado o momento eleitoral, terá que rever essa lei, porque são muitas as perplexidades. O Congresso terá de assumir a responsabilidade em face da opinião pública. O Congresso talvez venha a se conscientizar de que não pode ficar aprovando leis simbólicas.
Que problemas o senhor vê na lei?
Por exemplo, os prazos de inelegibilidade são elásticos e infindáveis. A inelegibilidade pela rejeição de contas de prefeitos, por exemplo, pelos tribunais de contas. Será que isso é bom? Nós sabemos que temos problemas hoje nos tribunais de contas. Há uma excessiva politização e partidarização dos tribunais de contas. Ou nós não sabemos disso?
O tribunal pode se deixar contaminar pela opinião pública no julgamento do mensalão?
Tenho a impressão de que não. A minha expectativa é de que isso não vai afetar, embora alguns discursos sugerindo esse tipo de atendimento da opinião pública, como no caso específico da Ficha Limpa, quase levariam no caso do mensalão a um tipo de juízo condenatório prévio. Tenho impressão de que todos nós estaremos conscientes de nossas responsabilidades.
O mensalão será julgado neste ano?
Tenho a impressão de que deveríamos julgar este caso. É um caso que onera o tribunal. Não temos mais justificativa para atrasos. O relator já apresentou o processo, o gabinete do ministro Lewandowski, que é o revisor, é um dos mais organizados do tribunal. Ele dispõe de condições inequívocas de trazer esse processo ainda neste semestre. Todos os ministros estão se debruçando sobre este caso. Portanto, não vejo justificativa para não julgar este caso logo.
O senhor acha que o foro privilegiado ajudou o trâmite desse processo?
Esse caso desmente a dita ineficácia do foro privilegiado. Qualquer sujeito minimamente alfabetizado sabe que esse processo complexo só está sendo julgado porque está num foro concentrado. Se estivesse espalhado por aí, teríamos tantos incidentes e habeas corpus que muito provavelmente isso não terminaria nem em 2099.
Qual é o risco?
O risco é o tribunal perder a sua função de órgão de controle de constitucionalidade, de tutela dos direitos fundamentais. Essas maiorias que se formam no Congresso, muitas vezes, são ocasionais.
O senhor considera que isso ocorreu na votação da Ficha Limpa?
Olhando a Lei da Ficha Limpa, veremos que ela não teria esse aplauso que teve no passado se fosse votada hoje. Aquele foi um momento muito específico.
Era um período pré-eleitoral, a maioria dos membros do Congresso concorreria às eleições e não queria ficar contra a opinião pública. Foi por isso, inclusive, que se produziu essa lei que é, do ponto de vista jurídico, um camelo. É uma lei mal feita. Quem passou por perto dela tem que ter vergonha. Quem trabalhou na sua elaboração tem que ter vergonha. Porque ela é uma lei extremamente mal feita. Não merece o nome de jurista quem trabalhou nessa lei. E o debate no STF serviu para mostrar isso.
Como o senhor analisa o pagamento vultoso de atrasados a juízes?
Esse acúmulo de vantagens gera até uma insegurança jurídica muito grande nos estados e deve debilitar as finanças estaduais. Não há clareza sobre qual é o numerário necessário para sustentar o judiciário local. Lembro-me que a presidente de um tribunal do Nordeste dizia que tinha créditos acumulados de férias em torno de R$ 600 mil. Eu não consegui entender. Isso não existe nos tribunais superiores.
O Estado mostrou que a proposta de uma resolução parada no CNJ poderia resolver essa questão.
Essa resolução esteve para ser aprovada creio na minha última sessão do CNJ. Talvez por acúmulo de pauta, ela não foi votada. Acredito que se impõe votá-la. Essa resolução já foi adotada pela Justiça Federal e pela Justiça do Trabalho. É uma resolução que dá segurança a todos.
Hoje há uma suspeita que parte desses pagamentos decorre também de uma falta de critério dos índices de correção monetária, aos juros que eventualmente sejam impostos.
O senhor concorda com esse modelo: um juiz tenha 60 dias de férias, pode vender 30 dias e, passados anos, receber até meio milhão de reais em atrasados?
Em algum momento na história se estabeleceu os dois meses de férias. Mas a lei não estabelece a possibilidade de venda das férias. E o argumento da necessidade de 60 dias de férias briga com a possibilidade de venda.
Os magistrados argumentam que procuradores podem vender férias e licenças-prêmio.
No Ministério Público, a lei prevê os dois meses de férias e a possibilidade de venda, o que gera no Judiciário a busca desse paradigma. A jurisprudência do STF entende que, desde a Lei Orgânica da Magistratura, não há que se falarem licença-prêmio.
A despeito disso alguns tribunais mantêm a licença-prêmio e aceitam a venda. Tudo isso gera esse acúmulo. A magistratura não se devia raciocinar tentando incorporar os benefícios do MP, mas defender a supressão dos benefícios do MP, benefícios que não são condizentes com a atual cultura institucional.
A saída: parar de pagar impostos
Ou se transfere a capital federal de volta para o Rio ou se inaugura outra em São Paulo, em Minas, no Amazonas ou no Rio Grande do Sul. Porque continuar em Brasília é a vergonha das vergonhas. Não dá mais para a cidade continuar desgovernada como anda.
Nos idos de sua inauguração era uma vez por mês, sempre que caía uma tempestade. De algumas décadas para cá passou a ser toda semana, mesmo sem chuva. Agora, sem a menor explicação, é diária a interrupção do fornecimento de energia elétrica. E atingindo mais do que alguns bairros ou subúrbios, de forma intermitente, por poucos minutos, como acontecia antes. Agora Brasília inteira fica apagada.
O apagão chegou ao centro nervoso do Distrito Federal. Terça-feira a capital parou. Permaneceram sem luz o setor comercial, a Esplanada dos Ministérios, a Avenida W-3 e tudo em volta, desde os bairros nobres ao redor do Lago até as cidades-satélites da periferia.
Claro que nos palácios do Planalto, da Alvorada e do Jaburu, no Congresso e nos tribunais superiores, logo entraram em funcionamento os geradores pagos por quem paga imposto mas fica reduzido à idade das trevas. Nas residências e gabinetes dos governantes locais, a mesma coisa. Fora deles, um caos generalizado, com o colapso dos semáforos, dos telefones fixos e celulares.
Os hospitais maiores, para os ricos, também se salvaram, com geradores próprios, mas os demais ficaram no escuro, como postos de saúde, escolas, estações de metrô, rodoviárias e a parte do aeroporto destinada à plebe.
Dos restaurantes, não há que falar. Com as geladeiras sem funcionar, perderam toda a sorte de alimentos, porque por uma tarde inteira e parte da noite Brasília ficou sem energia.
Não raro dez, doze ou vinte horas. Como também ficamos sem informações, a não ser a abominável desculpa de não haver previsão de retorno, isso quando por milagre se conseguia comunicar com as repartições do setor.
Na década de cinqüenta, o Rio ainda era a capital e pegou fogo um dos edifícios mais badalados da Zona Sul, na confluência do Leme com Copacabana. Era o prédio da boite Vogue, carecendo os bombeiros de escadas capazes de atingir os últimos andares. Muita gente morreu queimada.
O comandante do Corpo de Bombeiros, coronel Saddok de Sá, deu memorável conselho aos cariocas: quem morasse em andares altos deveria comprar a sua cordinha, para chegar ao limite das possibilidades da corporação que dirigia.
Aqui, seria bom que os cidadãos não privilegiados carregassem no bolso a sua vela e uma caixa de fósforos, porque mesmo durante o dia, quando falta luz, fica difícil descer pelas escadas escuras, quando não se fica preso nos elevadores.
Os trabalhos perdidos por cada profissional ou operário só ultrapassam o tempo desperdiçado pelos médicos e dentistas em seus consultórios, os advogados e contadores em seus escritórios, os estudantes inutilmente debruçados sobre seus livros.
O prejuízo para o brasiliense é enorme, imagine-se para aqueles que todos os dias demandam Brasília para trabalhar ou resolver negócios, imaginando retornar à noite às suas origens.
Fazer o quê? Votar não adianta mais, porque tanto faz se os governadores são do PT, do PDT, do PSDB ou do PMDB. Incompetência não tem partido, mostra-se presente em todos.
Protestar pela imprensa adianta pouco, as verbas publicitárias do governo local falam mais alto. Só tem uma saída: desobediência civil.
Parar de pagar impostos, de preferência os estaduais, mas de olho também nos federais, porque a União carrega sua parcela de culpa pelo que se verifica por aqui. Uma campanha para deixar o governo local sem dinheiro para funcionar redundaria em um, de dois resultados: ou os governantes iriam embora, envergonhados, ou tomariam jeito.
Deixar as coisas como estão não dá mais, e olhem que só falamos dos apagões. Fica para outro dia lembrar sermos a cidade onde mais se assalta, no caso, à mão armada, além dos cofres públicos; onde o trânsito é gerido pelo Capeta; o desemprego apresenta-se em qualquer cruzamento; a saúde pública leva o povo ao desespero e a educação diploma jovens sem oportunidades nem esperança.
Para ninguém esquecer: o governador atual chama-se Agnelo Queirós, mas já foi Joaquim Roriz, Cristóvam Buarque e outros.
08 de março de 2012
Carlos Chagas
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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