Neologismos são um recurso interessante para dar um novo brilho a palavras já gastas. Quem lembra dos maremotos? Só gente de idade. Maremoto é obsoletismo. A moda é tsunami. A palavrinha se tornou abrangente e agora transita até na economia internacional. Tsunami financeiro soa bem melhor que maremoto financeiro.
Ou homossexual. Parece que o conceito anda meio desbotado. Ano passado, o Supremo Tribunal Federal aprovou por unanimidade, com as fanfarras da imprensa, o reconhecimento da tal de união homoafetiva. A nova palavrinha designa o que antes chamávamos de homossexual. E ainda trouxe outra em seu bojo. O ministro Carlos Ayres Britto, relator do caso, pretendeu ter criado, por analogia, o neologismo heteroafetivo. Assim sendo, atenção à linguagem, leitor. Homossexuais não mais existem. Agora são todos homoafetivos.
Neste Dia Internacional da Mulher, a Folha de São Paulo, que adora criar novas conceituações – quem não lembra da “arquitetura anti-mendigos”, do "prédio-verdade"? – lançou hoje uma trouvaille que tem futuro: neomulher. Parece que travesti já não soa bem no mercado. O jorna entrevista três travestis – como se dizia ainda ontem – e lança o Dia das Neomulheres.
“Além de comemoração, o dia 8 de março marca a luta e manifestação pelos direitos femininos. Cristiane Gonçalves da Silva, professora e doutora da Unifesp/Santos, afirma que "é absolutamente justo que todas (a entrevistada refere-se aos antigos travestis) usem também essa data por reivindicações que permitam que elas sejam tão cidadãs quanto qualquer pessoa.”
Em defesa de sua tese, o jornal lança mão de um argumento que empestou o feminismo durante décadas:
“Em 1949, a escritora Simone de Beauvoir disse que ninguém nasce mulher, mas torna-se mulher. E, segundo antropólogos e sociólogos, assim realmente é. "Para a antropologia e a teoria de gênero, ser mulher ou homem é um aprendizado social, cultural e histórico", explica Heloísa Buarque de Almeida, professora de antropologia da USP. A própria transexualidade é uma radicalização dessa idéia: não basta simplesmente nascer com o corpo do gênero feminino. O que basta é sentir-se mulher."
O século XIX foi generoso em sandices, entre elas o marxismo, a psicanálise e a identidade de sexos. Verdade que estes três movimentos só vão consolidar-se no XX. No caso da identidade de sexos, a grande difusora da idéia foi Simone de Beauvoir. Se formos atribuir a alguém a frase mais idiota do século, a láurea vai sem dúvida alguma para Castor, como a chamava Sartre. De uma penada, Simone abolia as diferenças constitutivas de macho e fêmea.
Ano passado, comentei os reflexos desta proposição absurda na Escandinávia. Em Estocolmo, a pré-escola passou a proibir que crianças sejam tratadas como meninos e meninas. Em conformidade com um currículo escolar nacional que busca combater a "estereotipação" dos papéis sexuais, uma pré-escola do distrito de Södermalm, da cidade de Estocolmo, incorporou uma pedagogia sexualmente neutra que elimina completamente todas as referências ao sexo masculino e feminino. Os professores e funcionários da pré-escola Egalia evitam usar palavras como "ele" ou "ela" e em vez disso se dirigem aos mais de 30 meninos e meninas, de idades variando entre 1 e 6 anos, como "amigos".
O han e o hon (ele e ela), foram trocados pelo pronome neutro hen, palavra que não existe nos dicionários. Mas tampouco é nova. Foi proposta por Hans Karlgren em 1994. Mas já havia sido aventada por Rolf Dunas, no Upsala Nya Tidning, em 1966. Nesta proposta, hen era apresentado como substituição a han e hon e mais: henom substituiria henne/honom (dele/dela). A palavra parece ter sido inspirada no finlandês hän.
Acontece que ausência de gênero é uma característica do finês e não ideologia de feministas. Não se trata de eliminar todas as referências ao sexo masculino e feminino. É que as palavras não são masculinas nem femininas. Para a Folha, tanto homossexual como travesti parecem ter sumido do vernáculo. Temos agora a neomulher. Ou quem sabe o neomulher? O jornal não esclarece. A reportagem continua:
“Como qualquer mulher em uma sociedade machista, o desafio maior de quem se tornou uma continua sendo o preconceito. “Qualquer mulher sofre diversos tipos de discriminação. Imagine, então, quando ela nasceu com outro sexo", diz a professora de antropologia da USP”.
O jornal – que seguidamente critica o politicamente correto – caiu no engodo do politicamente correto. Ninguém nasce com outro sexo. Nascemos com um sexo só e o portamos pelo resto da vida, por mais esforços que a cirurgia plástica tente. Em nome de uma grossa besteira proferida em meados do século passado, a imprensa quer ganhar o jogo no tapetão das palavras. Dá-se um novo nome a uma realidade biológica e cria-se um novo personagem: a neomulher.
Todo travesti é homem, ora bolas! O leitor deve lembrar quando se falava de o travesti. Os tempos mudaram, a tendência é dizer a travesti. Se um homem quer ter um corpo feminino, isso em nada muda sua essência. Continua sendo um homem, com a diferença de que quer ter um corpo feminino. O que atrai um homem em um travesti não é exatamente sua forma feminina. Fosse por isso, buscava logo uma mulher. O que torna picante a relação com travestis é exatamente seu lado masculino.
Mulher já era, leitoras! Inaugurou-se hoje o Dia da Neomulher.
08 de março de 2012
janer cristaldo
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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