"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 6 de março de 2012

HONG KONG É CHINA OU NÃO É?

Diferentemente de outras cidades da China, cidadãos brasileiros não precisam de visto para visitar Hong Kong. Por Tiago Caramuru*

Foram 99 anos de “empréstimo“ concedido pela China à Inglaterra. Como resultado, Hong Kong passou por um século de desenvolvimento à parte em um país que, mesmo tendo uma força descomunal como nação, já é completamente desconjuntado. A quase cidade-estado recebe hoje o título de Região Administrativa Especial da China. Então, faz parte dela ou não faz? Tem moeda e bandeira próprias, e sua autonomia só esbarra nas forças militares, proibidas na região por termos contratuais. Creio que, com Hong Kong, ocorre exatamente o oposto do que acontece com o Vaticano: a sede da Igreja Católica é tão pequena que sua condição de Estado autônomo muitas vezes é desconsiderada. Enquanto isso, Hong Kong é indubitavelmetne considerada China desde 1997, mas funciona de forma independente.

À moda antiga, Hong Kong parece ser uma cidade daquelas do tempo em que o conceito de país ainda não existia. Não que não tenha tido influências externas – muito pelo contrário -, mas acabou por ficar tão diferenciada, que se deslocou de qualquer passado e presente. O turista desavisado pode levar um tempo para dar-se conta de que está, geograficamente, na China – diferentemente de outras cidades da China, cidadãos brasileiros não precisam de visto para visitar Hong Kong.






O futuro começa quando você aterrissa. O sudeste asiático é a terra das boas impressões. Caso o leitor tenha a oportunidade de conhecer a região, vale a pena dar uma olhada nos aeroportos. Para chegar até a cidade, um trem que faz 30 km em 20 minutos desliza pelas estações sem fazer ruído algum. Obviamente, pague a tarifa do trem (100 dólares de Hong Kong, ou cerca de 25 reais) com o cartão de transporte público que, pré-carregado, vale para todos os trens, ônibus, metrôs e barcos. Use o mesmo cartão para pagar suas contas nos shoppings, restaurantes, lojas de conveniência e, se resolver morar lá, até aluguel e a escola das crianças. O Octopus Card, cartão pré-pago que serve pra tudo, lança uma tendência que pode até acabar com a necessidade do uso de dinheiro em espécie. Custa 50 dólares de Hong Kong e, se não fizer questão do souvenir, devolva-o em qualquer estação: vai para a reciclagem e você recebe 43 dos 50 dólares de volta.

Hong Kong herdou dos ingleses a mão inglesa no trânsito, os ônibus de dois andares, o idioma dos britânicos e a tradição de excelentes redes de transporte público em toda a cidade. Até para atravessar o rio existe mais de uma opção: barco ou trem subterrâneo. Mesmo sem nenhuma ponte, a baía entre Kowloon, bairro principal na parte peninsular da cidade, e a Ilha de Hong Kong, com seu paredão de mega-edifícios, é linda de morrer. No entanto, o que melhor se pode fazer ali durante o dia é esperar a noite chegar. Mesmo o nevoeiro escuro trazido pelas monções nesta época do ano são ofuscados pela iluminação nas ruas à noite. Resultado: Hong Kong fica mais clara de noite que de dia. Pelo menos uma vez, deixe o trem de lado e faça a travessia lenta no bote da Star Ferry (que também aceita o Octopus Card, é claro) pra se sentir como um legítimo oriental – no lado de lá do globo, não é só o destino final da viagem que tem valor, mas o caminho todo até atingí-lo.

Foi neste instante que, instintivamente, armei a câmera no pulso e não consegui largar pelo trajeto inteiro – os nativos me olhavam com uma cara de quem pensa: esses ociedentais são tão exóticos… tiram fotos de tudo! Fato é que, quando se chega na Ilha de Hong Kong, nem parece que é o mesmo lugar que se avistava há cinco minutos antes. Seguindo pela Hollywood Road, por toda sua extensão, as ruas estreitas dos mercados noturnos a céu aberto cortam a avenida, lotada de néons. Mercados de verdade mesmo, não só aquelas besteiras que gostamos de trazer de volta pra casa, mas também frutas, peixes e roupas. A vida social funciona melhor à noite num lugar onde a temperatura frequentemente ultrapassa 30 graus. E do lado das barracas onde os vendedores tiram peixes do aquário com a mão e os jogam no meio da rua pra secar, estão as lojinhas que consolidaram a reputação internacional de Hong Kong. Nelas se vende eletrônicos baratíssimos e réplicas perfeitas de grifes de luxo, que jamais conseguirão competir com este tipo de pirataria. É de dar inveja à 25 de Março, em São Paulo.

Independentemente de quanto tempo o leitor tiver pra dedicar à Hong Kong, só se preocupe com mapas após se perder por pelo menos um dia. A cidade é super compacta, e os labirintos sempre te levam a algum lugar interessante. A verdade é que o oriente, por mais interessante que já possa parecer, sempre será surpreendente além das expectativas. A região faz com que cidades completamente distintas das Américas e da Europa se pareçam e, nas vias elevadas, que aqui são construídas para pedestres, os milhões e milhões de habitantes de Hong Kong não deixem transparecer se se consideram chineses ou não.

04 de março de 2012
*Artigo publicado originalmente no Esvaziando a mochila, parceiro do Opinião e Notícia.

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