"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 25 de maio de 2012

A COMISSÃO DA VERDADE (1)

No dia 03/01/2005 o Correio Braziliense publicou uma entrevista cujo título é revelador: “A era Lula-Risco Autoritário” (ela pode ser lida no site do Sindicato Nacional dos Professores Universitários, http://www.andes.org.br).
Como sempre, minhas respostas atraíram a fúria dos militantes petistas. Cito a primeira pergunta de uma longa série :

“Correio Braziliense — Alguns estudiosos, o senhor entre eles, costumam dizer que o governo Lula tem estratégias para dominar o Estado e a opinião pública… Essa avaliação não é exagerada? Se não for, como se dá esse domínio? E com qual objetivo? ”.

Resposta: “As tentativas de controlar o Estado e a opinião pública não se localizam em todo o governo, mas em determinados setores formados pelo stalinismo (…). Outros integrantes se formaram na tradição centralista, a exemplo de ex- trotskistas (…).
Para os dois setores, são ilógicos o debate, a consulta, o contraditório antes de se tomar um rumo político. A direção é a única encarregada de pensar, agir, voltar atrás, etc.
É a antiga estratégia de tudo dirigir do alto, da cúpula. (…)
Ninguém muda subitamente uma forma de agir e de pensar nem arranca hábitos como se fossem paletós fora de moda. Essas alas do PT tentam enfeitar o próprio discurso com piruetas à democracia. Mas a forma de sua atividade traz a marca do centralismo. A rigidez no comando não é contraditória com a flexibilidade nas decisões, sobretudo se estas últimas favorecerem a expansão do poder dos líderes.”

O que deve ter relevo na análise ética é a forma da ação assumida e imposta à comunidade política. No caso da presente Comissão da Verdade, a marca do autoritarismo aparece em todo o seu esplendor desastrado e desastroso.
O uso de não consultar os interessados, não querer assessoria jurídica adequada e tudo impor de cima para baixo levou parte do ministério à proposta em questão, sem avançar com eficácia nos alvos supostamente perseguidos.
É preciso definir o problema no âmbito em que se ele foi produzido. Quem dá um golpe de Estado assume todas as responsabilidades públicas, todos os compromissos que a ordem estatal deve manter com a cidadania. Mesmo as mais virulentas ditaduras não têm o direito de ab-rogar o direito à vida, prerrogativa de todo ser humano que se coloca sob o poder público.
Um Estado que não reconheça tal direito não é Estado, mas quadrilha poderosa que só protege os seus integrantes. De tal direito supremo são deduzidos os demais, como o de Habeas corpus e outras garantias, como a integridade física e psicológica.

O Estado, para ser Estado e não ajuntamento criminoso, não pode manter paixões, sobretudo as de ódio e vingança. Assim, nenhum ditador confessa que suas prisões estão abarrotadas de presos submetidos à tortura.

No Chile, na Argentina, no Brasil, no Uruguai, a reação governamental, nas mãos de civis e militares (é má fé dizer que as ditaduras foram apenas militares) usou a propaganda para negar o fato das prisões políticas onde se torturava.
Temos aí um ponto relevante a receber perquisição. Instituições eclesiásticas, como o organismo de Justiça e Paz, provaram que no Brasil existiram práticas absolutamente opostas ao direito estatal.
A documentação, abundante e idônea, foi trazida à colação em tempo certo, ainda sob a ditadura.
Ela serviu como acicate para a própria Lei de Anistia com a qual se convencionou dar um fim ao Estado de exceção em nossa terra.

Deve ser sublinhado que a referida lei foi aceita pelos que se opunham, em palavras e atos ou pelas armas, ao regime. Semelhante ponto trouxe boa parte da ambigüidade que gerou a crise atual entre a presidência e os setores militares e da defesa.
Deixemos claro, no entanto: com a lei de anistia o Estado, no consórcio civil-militar, admitiu que muitos de seus operadores agiram sob o domínio da exceção e que, portanto, ele não funcionou integralmente como Estado.
Ao poder judiciário caberia definir o retorno ao direito, com as punições cabíveis. Mas infelizmente aquele poder não assumiu a tarefa. Voltarei ao tema, dada a sua gravidade institucional.

25 de março de 2012
Roberto Romano da Silva

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