No mesmo dia em que o silêncio de Carlinhos Cachoeira frustrou os congressistas, surgiu uma novidade com potencial para arrancar a CPI do marasmo. Descobriu-se que Cláudio Abreu, ex-diretor da Delta Construções no Centro-Oeste dispunha de autorização escrita para movimentar as contas bancárias da matriz da empreiteira, sediada no Rio de Janeiro.
Com isso, abriu-se uma fenda no escudo que o PT, em associação com o PMDB, oferecia à Delta e ao seu ex-presidente Fernando Cavendish. Antes improvável, a quebra dos sigilos fiscal e bancário da maior tocadora de obras do PAC e do amigo do governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB) tornou-se imperiosa.
Coube a um representante do DEM na CPI, o deputado gaúcho Onyx Lorenzoni, revelar o fato novo que pode alterar a dinâmica da comissão. Ao inquirir Cachoeira, que não respondeu a nenhuma pergunta, Onyx contou que tivera acesso à prova que desmonta a versão segundo a qual o raio de ação de Cláudio Abreu estava restrito aos negócios da Delta na região central do país.
Depois, em texto veiculado no site do DEM, Onyx detalhou o achado. Contou que Cláudio Abreu e um outro ex-diretor da Delta, Heraldo Puccini, que representava a empresa em São Paulo, “tinham autorização para operar as contas [bancárias] nacionais da construtora e não apenas do Centro-Oeste.” O documento consta de processo que resultou da Operação Saint Michel, conduzida pelo Ministério Público do Distrito Federal.
Na quinta-feira (17) da semana passada, a CPI aprovara requerimento requisitando o papelório desse inquérito, que corre na 5ª Vara Criminal da Justiça do DF. Ouvido após a sessão em que Cachoeira escorou-se no direito constitucional de calar para não se autoincriminar, o relator da CPI, Odair Cunha (PT-MG), confirmou a existência da procuração mencionada por Onyx.
Espremido pelos repórteres, Odair viu-se compelido a reconhecer: diante dos indícios de que Cláudio Abreu movia-se com o respaldo da diretoria e da presidência da Delta nacional, potencializaram-se as chances de quebra dos sigilos bancário e fiscal da matriz da empreiteira.
A nova manifestação de Odair teve um quê de guinada. Na semana passada, o relator petista recusara-se a submeter a voto na CPI os requerimentos que pediam a abertura dos sigilos da Delta nacional e de Fernando Cavendish.
Alegara que as providências fugiam do “foco” da comissão. Quem quiser que faça “a CPI da Delta”, dissera Odair. Terminou-se aprovando apenas requerimentos que tinham como alvo Cláudio Abreu e as filiais da Delta no Centro-Oeste. Como o ex-diretor regional dispunha da procuração nacional, a CPI atingiu, de cambulhada, uma conta bancária com o CNPJ da matriz.
A mudança de rumos pode dar um novo norte à CPI. No inquérito da Operação Monte Carlo, a Polícia Federal descobrira que a Delta depositara R$ 39 milhões nas contas bancárias de empresas de fachada da quadrilha de Carlinhos Cachoeira. Em seus relatórios, a PF destilou a suspeita de que o dinheiro azeitou campanhas eleitorais.
Nas páginas do processo, Carlinhos Cachoeira e o amigo-senador Demóstenes Torres são tratados pela PF e pela Procuradoria-Geral da República como “sócios ocultos” da Delta. Ambos negam. Para tentar desmenti-los, não resta aos membros da CPI senão mergulhar nos papéis e cruzar os dados fiscais e bancários.
Ex-procurador da República, o senador Pedro Taques (PDT-MT) vale-se de sua experiência para tentar refazer o caminho dos milhões que migraram das arcas da Delta para as caixas registradoras das empresas de fancaria da quadrilha de Cachoeira. Busca matéria prima nos processos guardados na sala-cofre da CPI.
Incomodado com a ênfase atribuída à oitiva de depoimentos, Taques disse, na sessão desta terça (22): “Essa reunião nos dá o norte de que precisamos. Não estamos num filme americano em que o acusado chega aqui e confessa. Devemos votar os requerimentos de afastamento de sigilo fiscal e bancário hoje. Não podemos aguardar o dia 5 de junho.” Só nesse dia a CPI realizará nova sessão administrativa. O apelo em favor da antecipação foi ignorado.
O ex-procurador absteve-se de dirigir questionamentos a Cachoeira. Sem descer aos detalhes, Taques insinuou que sua pesquisa começa a produzir resultados: “Existem documentos nos autos que mostram que dinheiro saiu da Delta, foi para empresas como a Alberto & Pantoja e a Brava Construções [duas das logomarcas de fachada da quadrilha], dali foram para Giovani [Pereira da Silva, tesoureiro de Cachoeira] e chegaram a pessoas importantes da República.”
Pelos planos originais do relator Odair Cunha, a Delta nacional e Fernando Cavendish não constariam da pauta da sessão administrativa do dia 5 de junho. Na noite passada, integrantes da bancada do PT na CPI reconheciam que a inclusão talvez tenha se tornado inevitável.
Titular da 5ª Vara Criminal do DF, a juíza Ana Cláudia Barreto, facilitou o trabalho da CPI. Na última sexta-feira (19), ela determinou abertura de ação penal para apurar os malfeitos esquadrinhados na Operação Saint Michel. Ordenou a quebra dos sigilos de Cachoeira, de Cláudio Abreu, da Delta, do tesoureiro Giovani e de outros cinco investigados.
Apura-se nesse processo de Brasília uma tentativa de manipulação do resultado de licitação da área de transportes coletivos do governo petista de Agnelo Queiroz (DF). Negócio de R$ 6 milhões. Todo o material que resultará das providências adotadas pela juíza Ana Cláudia chegará à CPI. De mão beijada.
JOSIAS DE SOUZA
23 DE MAIO DE 2012
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