- Charles Platiau/Reuters
Os franceses escolheram François Hollande porque ele prometeu ser um presidente diferente de Nicolas Sarkozy. Mas ele conquistou um dos empregos mais difíceis do planeta: reformar a França. Para ter sucesso, ele terá que decepcionar muitos de seus eleitores. Mas Hollande é um pragmático, não um ideólogo –e isso pode até mesmo ajudá-lo a se entender com Angela Merkel.
Até o final, o presidente Nicolas Sarkozy buscou fazer o mundo acreditar que ainda poderia vencer e que seria uma disputa extremamente apertada. Ele estava errado. Pela segunda vez na história da Quinta República, os franceses votaram em um candidato do Partido Socialista para a presidência. A última vez que isso aconteceu foi em 1981, quando François Mitterrand se tornou presidente.
A vitória de François Hollande é, acima de tudo, um acerto de contas político com Sarkozy. Quando ele iniciou seu mandato há cinco anos, Sarkozy desfrutava de um índice de aprovação de mais de 60%, mas ao final ele se tornou o presidente mais impopular da Quinta República, que teve início em 1958 com a reforma constitucional que fortaleceu enormemente o papel do presidente.
A falta de popularidade de Sarkozy foi, em grande parte, produto da crise econômica que já derrubou outros nove líderes europeus. Mas a rejeição a Sarkozy vai mais fundo: muitos franceses sentem que Sarkozy profanou o cargo, que não exibia dignidade suficiente, que era um novo rico que frequentemente se confundia com o Estado e agia como um Napoleão moderno. No final, até mesmo no campo conservador havia muitos que simplesmente o odiavam. Hollande, resumindo, foi conduzido à presidência pela força do desejo francês de se livrar de Sarkozy, cujo romance com os franceses terminou em ódio.
Após terem um presidente tão anormal, os franceses agora anseiam por um mais normal – e é precisamente isso que Hollande promete. Há não muito tempo, ninguém confiaria o cargo a Hollande. Ele era considerado pouco mais que uma piada. O candidato populista de esquerda, Jean-Luc Mélenchon, até mesmo o desdenhou como um “capitão de pedalinho” para riso geral. Afinal, ele foi apenas a segunda opção dos socialistas, escolhido depois que o ex-favorito Dominique Strauss-Khan caiu em desgraça após seus escândalos sexuais.
Mas, ao longo da campanha eleitoral, Hollande teve sucesso em convencer a maioria dos franceses de que tinha condições de ser presidente. Ele desenvolveu lentamente uma aura presidencial e, em discursos, se colocou na mesma categoria de François Mitterrand. E finalmente, no debate da semana passada contra Sarkozy, ele se coroou, iniciando 16 sentenças seguidas com “Eu, como presidente...”
Até mesmo o amigo próximo e conselheiro de Sarkozy, Alain Minc, reconheceu recentemente à agência de notícias “Reuters”: “Eu acho que todos nós subestimamos o sujeito. Ele demonstrou uma força de espírito incomum neste ano. O François Hollande que estamos vendo hoje é diferente daquele que todos nós conhecíamos. Nós o julgamos de modo diferente do que ele é. Ou estávamos errados ou ele mudou”. Por sua vez, Sarkozy subestimou Hollande até o final.
Durante a campanha, Hollande se posicionou claramente à esquerda. Ele prometeu criar um imposto de 75% para qualquer renda acima de 1 milhão de euros. Ele também disse que mudaria de volta a idade de aposentadoria na França de 62 anos para 60 anos. E prometeu um fim às políticas de austeridade europeias –se posicionando como a antítese de Angela Merkel e dizendo aos seus eleitores: “Eu não quero uma Europa de austeridade, onde os países são forçados a ficar de joelhos”.
Hollande decepcionará amargamente os eleitores
Ainda assim, é altamente improvável que Hollande será um presidente socialista gastador. E consequentemente ele decepcionará amargamente muitos de seus eleitores. Hollande será o presidente de um país economicamente doente. A dívida pública está em 90% do Produto Interno Bruto, a França não possui um orçamento equilibrado desde 1974 e, em quase 57%, a relação mais alta entre gastos do governo e PIB dentre os 17 países da zona do euro. Além disso, o desemprego se encontra em aproximadamente 10% e há toda uma geração de filhos de imigrantes que cresceu nos subúrbios parecidos com guetos, quase sem contato com o mercado de trabalho. Durante a campanha eleitoral, esses problemas tiveram apenas um papel secundário. Mas para o presidente recém-eleito, eles terão um papel central.
A grande pergunta é se Hollande poderá reunir o poder que precisará para reformar profundamente a França. No nível mais básico, ele é pragmático e, falando em “off”, muitos dos seus colegas até mesmo o descreveram como sendo um “social democrata”. Ele também prometeu repetidamente introduzir um orçamento equilibrado e será avaliado pela forma como cumprirá sua palavra.
Haverá uma grande celebração na Praça da Bastilha na noite de domingo. Mas, na segunda-feira, toda a França acordará com ressaca. Tempos difíceis aguardam o presidente e o país. Durante sua campanha, Hollande evocou repetidamente a grandeza da França. Mas essa grandeza agora é ameaçada precisamente pela fraqueza econômica que Hollande terá que enfrentar. Ele não poderá dar continuidade à tradição de incorrer em mais e mais dívida e não poderá transformar o país sem alienar muitas das pessoas que acabaram de votar nele. Hollande pode ter conquistado a presidência, mas seu novo emprego é um dos mais difíceis do mundo.
Um melhor parceiro para Merkel?
Apesar de sua retórica de campanha às vezes agressiva, não se deve esperar que Hollande se torne o maior antípoda de Merkel na Europa. Ele sem dúvida defenderá vigorosamente as posições francesas com a legitimidade adicional que os resultados eleitorais lhe deram. Mas muitos observadores políticos acreditam que as posições de Hollande em relação ao euro, ao Banco Central Europeu (BCE) e ao pacto financeiro serão semelhantes às de Sarkozy.
De fato, mesmo no final do ano passado, alguns dos assessores de Sarkozy estavam adotando posições que poderiam facilmente vir da plataforma de campanha de Hollande. Havia oposição a uma estratégia concentrada exclusivamente em austeridade e muitos eram favoráveis a uma intervenção direta do BCE. Logo, apesar das faces serem diferentes, a posição francesa provavelmente não mudará radicalmente.
É até mesmo possível que Merkel e Hollande consigam forjar um forte laço pessoal – e um ainda melhor do que o antes compartilhado por Merkel e Sarkozy. De certo modo, talvez seja até mesmo possível descrever Hollande como o Merkel francês: ele é pragmático, não um ideólogo. Ele busca o consenso e considera os resultados mais importantes do que poder exibi-los. Ele é um sujeito pé no chão e que demonstra empatia. E, na condição de economista que antes lecionava na universidade de elite Sciences Po, ele também compartilha a formação científica de Merkel.
Hollande poderá fazer uso de seus modos agradáveis em seu novo cargo. Esta eleição francesa revelou um país atolado em autoquestionamento e extremamente ansioso em relação ao futuro. Também é um país profundamente dividido em vários campos e com um número crescente de pessoas decepcionadas e frustradas. Como presidente, Hollande terá que unir esses campos. Nos tempos turbulentos enfrentados por seu país, ele deverá ser uma figura paterna que possa unir a esquerda e a direita.
Uma esquerda triunfante, uma direita rachada
Para a esquerda, a vitória eleitoral de Hollande é um triunfo. Ela não faz parte do governo há dez anos e não ocupa a presidência há 17 anos. Se a esquerda obtiver a maioria na eleição parlamentar do mês que vem, ela voltará ao poder após um longo período. Hollande libertou a esquerda do medo do fracasso que a atormentava desde que Lionel Jospin não conseguiu chegar nem ao segundo turno da eleição presidencial de 2002, após as pesquisas indicarem que ele venceria. Mesmo assim, ainda resta ver quão bem-sucedidos os socialistas serão no poder.
A direita, por sua vez, ficou em pedaços com a derrota de Sarkozy. Ao assumir uma posição dura sem precedentes em relação aos imigrantes e ao Islã, sua campanha acabou transformando seu partido conservador União por um Movimento Popular (UMP) em um quase espelho da Frente Nacional de extrema direita de Marine Le Pen. Ao final da campanha, o ministro da Defesa do UMP, Gérard Longuet, até mesmo cometeu um ato falho quando disse, “Nós da Frente Nacional...”, em uma entrevista de rádio, antes de se corrigir rapidamente, mas não o bastante.
Agora o campo da direita corre o risco de rachar em uma facção conservadora-liberal, que se sentiu incomodada com as táticas de campanha de Sarkozy, e uma facção mais à direita que até mesmo poderia se unir à Frente Nacional. Esse era o grande sonho de Marine Le Pen, que já se declarou “líder da oposição”. Mas, para o recém-eleito presidente François Hollande, seria um pesadelo.
Uma análise de Mathieu von Rohr
Em Tulle (França)
08 de maio de 2012
(Tradução: George El Khouri Andolfato)
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