"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 8 de maio de 2012

O CHEFE - CAPÍTULO 12

Capítulo XII

Sob a conveniência da 'segurança nacional', Lula não revelou gastos com cartão corporativo

As despesas do governo Lula com cartões corporativos se transformaram numa caixa preta. Só a Presidência da República teria efetuado gastos secretos superiores a R$ 20 milhões entre 2004 e 2007. Na esteira das investigações conduzidas pelo Congresso Nacional, Lula se viu obrigado a afastar a sua ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro (PT-SP), que não teve como justificar as despesas com o chamado dinheiro de plástico.

Para evitar a quebra de sigilo dos cartões corporativos e amansar deputados e senadores oposicionistas, o Palácio do Planalto urdiu a elaboração de um dossiê com gastos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) e da ex-primeira dama, Ruth Cardoso. Os dados foram preparados e divulgados pelo Ministério da Casa Civil, sob o controle de Dilma Rousseff (PT-RS).
A responsável pela formatação da documentação foi apontada como sendo Maria de la Soledad Castrilho, a "Marisol", que ocupava os cargos de diretora de Recursos Logísticos e chefe de gabinete de Erenice Guerra, a secretária-executiva e principal assessora da ministra Dilma Rousseff. E quem vazou o dossiê foi José Aparecido Nunes Pires, militante histórico do PT, levado para o Ministério da Casa Civil pelo antecessor de Dilma Rousseff, José Dirceu.

Ora, se Lula não queria divulgar com transparência os seus gastos em nome da segurança do presidente da República, o que justificaria tornar públicas as despesas do antecessor? De qualquer forma, a jogada do governo deu certo. Desviou o foco das atenções da CPI dos Cartões sobre desvios, irregularidades e até enriquecimento ilícito para o debate político sobre o dossiê de FHC.
Vale registrar distorções acerca do uso dos cartões corporativos em nome da Presidência da República no segundo mandato de Lula, mesmo que pouco tenha vindo à tona em razão das sistemáticas rejeições da base aliada do governo aos requerimentos com pedidos de informação à CPI. Das poucas coisas que ficaram públicas, houve o pagamento insignificante de R$ 112,11 de uma conta de internet de Fábio Luís Lula da Silva, o "Lulinha", filho do presidente, efetuada em setembro de 2003.

Dez funcionários da Presidência da República foram autorizados a usar cartões corporativos para fazer compras de interesse de Lula em 2007. Gastaram R$ 3,6 milhões. Do total, os ecônomos, nome técnico dos funcionários, retiraram R$ 352 mil em dinheiro vivo.
Com a notícia nos jornais, receberam orientação para não conceder entrevistas. Informações sobre os gastos chegaram a conhecimento público por meio do Portal da Transparência, um site na internet gerenciado pela CGU (Controladoria-Geral da União). Depois os dados foram retirados da rede mundial de computadores.
Antes das informações terem sido subtraídas da internet, era possível saber os gastos de cada um dos dez ecônomos a serviço da Presidência da República entre 2003 e 2007. Juntos, despenderam R$ 11,6 milhões, sendo que sacaram R$ 1,7 milhão em dinheiro vivo em caixas eletrônicos.

Em março de 2003, Lula viajou a Ponta Porã (MS) para inaugurar um assentamento de trabalhadores rurais sem-terra. Após a viagem, o Palácio do Planalto apresentou 27 notas fiscais para justificar o aluguel de veículos que haviam sido feitos com os cartões, durante o período em que o presidente permaneceu naquela cidade do Mato Grosso do Sul.
O TCU (Tribunal de Contas da União) descobriu que as notas eram frias. Somavam R$ 206 mil, enquanto a empresa Limosine Service – Russos & Filhos, responsável pela locação dos automóveis, teria cobrado apenas R$ 40 mil pelos serviços.
A auditoria do TCU apurou que o endereço da empresa locadora em Ponta Porã era fictício. Da auditoria: "Em um dos endereços, o analista não encontrou a empresa em funcionamento, obtendo a informação de que, naquele endereço, nunca existiu empresa locadora de veículos".

O Ministério Público Federal decidiu investigar os gastos com cartões corporativos da Presidência da República, com base em auditoria preliminar do TCU. Foram identificadas irregularidades em 35% das notas fiscais analisadas, todas referentes a dispêndios sigilosos. Os procuradores procurariam saber se houve pagamentos indevidos em viagens de Lula, ou nos serviços de segurança oficial dos familiares do presidente.

Entre os problemas apontados pelo TCU havia vias de documentos fiscais anexadas às prestações de contas do Palácio do Planalto com valores diferentes daqueles que constavam nas vias dos talonários das empresas responsáveis pela prestação de serviços ou o fornecimento de bens e produtos.
Do relatório do TCU: "A incompatibilidade entre os valores configura sonegação fiscal. Nesse caso, deve-se considerar também a possibilidade de haver conluio entre o fornecedor e o servidor responsável pelo pagamento com o objetivo de cobrar a maior da administração".

Um dos casos sob investigação do Ministério Público procurava apurar uma locação de veículos ocorrida em empresa de Santana do Parnaíba (SP). No talonário constava a prestação do serviço de aluguel no valor de R$ 3,1 mil. Já a prestação de contas referente àquele mesmo serviço, apresentada pelo Palácio do Planalto, somava R$ 40,4 mil. Ou seja, era 13 vezes maior.

Em outro caso, uma empresa de locação de veículos, com sede em São Paulo, teria prestado serviços à Presidência da República por mais de R$ 1 milhão no período de um ano e meio. Problemas: não foi emitido documento fiscal hábil e parte das notas apresentava endereço fictício.

Chamou atenção dos procuradores gastos da Presidência da República numa padaria em Brasília. A via da nota que fazia parte do talonário da empresa apresentava a despesa de R$ 9,44. Já o Palácio do Planalto computou um gasto de R$ 99,44. Ou seja, algum gatuno simplesmente pôs um "9" a mais, para embolsar R$ 90. Uma vergonha.

As chamadas despesas sigilosas do conjunto do Governo Federal chegaram a quase R$ 100 milhões entre 2004 e 2007. Cerca de 11 mil cartões foram distribuídos pela administração Lula a mais de 7 mil funcionários federais. O estranho é que os gastos secretos saltaram de R$ 16,9 milhões em 2004, para R$ 20,9 milhões em 2005. No ano seguinte, alcançaram R$ 25 milhões. Em 2007 atingiram R$ 35,7 milhões, mais que o dobro do registrado em 2004.

Dois anos depois, informações disponíveis no Portal da Transparência davam conta de que gastos sigilosos já representavam 45% do total realizado com cartões corporativos. Só os dispêndios da Secretaria de Administração da Presidência, que incluíam as despesas do presidente Lula, alcançaram R$ 4,5 milhões apenas nos primeiros sete meses de 2009. Isso representava 13% do total de gastos secretos do Governo Federal naquele período.

Ao longo da administração do PT foram detectadas diversas despesas suspeitas usando o chamado dinheiro de plástico.
Levantamento da CPI dos Cartões apurou os seguintes gastos: R$ 990 mil em supermercados, 750 mil em farmácias, R$ 43 mil em padarias, R$ 40 mil em assinaturas de televisão a cabo, R$ 33 mil em floriculturas, R$ 24 mil em lojas de instrumentos musicais, R$ 22 mil em lojas de brinquedo, R$ 15 mil em sapatarias, R$ 14 mil em serviços de lavagem de automóveis, R$ 8 mil em lojas de doces e chocolates, R$ 7 mil em lojas de roupas femininas, R$ 5 mil em bares e R$ 4 mil em lojas de roupas de crianças. Tudo dinheiro público.

Detalhe: 452 estabelecimentos comerciais e de serviços que receberam pagamentos por meio de cartões corporativos emitidos pela administração federal eram, por coincidência, de propriedade ou relacionados de alguma forma a 473 servidores federais comissionados, isto é, tinham ligações com pessoas nomeadas para cargos de confiança por influência política.

Alguns casos chamaram a atenção e ganharam as páginas dos jornais: no Ministério das Comunicações, reformaram uma mesa de sinuca por R$ 1.400. O ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini (PT-SP), pagou, com cartão corporativo, fotografias pessoais e a estadia em hotel durante evento partidário. O ministro das Cidades, Olívio Dutra (PT-RS), por sua vez, torrou R$ 970 em sofisticada padaria de Brasília.

Mas voltemos à Presidência da República. Chegaram a R$ 407 mil os dispêndios com cartão corporativo nas duas residências de Lula em Brasília no ano de 2007. Uma média de R$ 33,9 mil por mês, ou mais de R$ 1 mil por dia, para abastecer o Palácio da Alvorada e a Granja do Torto.
Apenas três ecônomos gastaram R$ 205 mil em supermercados, açougues e lojas de bebida em nome de Lula naquele ano.
Um dos funcionários, José Henrique de Souza, assessor especial do presidente, teria abastecido as dispensas das residências oficiais gastando R$ 55,4 mil em supermercados, R$ 23,8 mil em açougues, R$ 14,8 mil em mercados, R$ 2,4 mil em lojas de bebidas, R$ 2 mil em peixarias e R$ 1,2 mil em padarias.

Para registrar: dos 150 funcionários da Presidência da República que gastaram R$ 6,2 milhões com cartões corporativos em 2007, só 68 tiveram as despesas reveladas pelo site da CGU. Não havia informações sobre o paradeiro da gastança dos outros 82 servidores federais. Sabe-se apenas que eles torraram R$ 5,3 milhões, sendo R$ 1,4 milhão sacado em dinheiro vivo.

Um segurança de Lula fez despesas em São Bernardo do Campo (SP), onde o presidente tem residência, durante nove meses de 2007. Conforme o Portal da Transparência, Luiz Gonzaga Barbosa Aragão, oficial das Forças Armadas, gastou R$ 45.750 em lojas de materiais de construção, embalagens plásticas, móveis para escritório, equipamentos de informática, materiais de limpeza e esportes. Ele comprou esteira ergométrica por R$ 3.450, artigos esportivos por R$ 800 e deixou R$ 390 numa loja de instrumentos musicais que também comercializava produtos eletrônicos.

Em Florianópolis, João Roberto Fernandes Júnior, segurança de Lurian Cordeiro Lula da Silva, filha de Lula, gastou R$ 55 mil naquele mesmo ano, em lojas de autopeças, materiais de construção, ferragens, supermercados, combustível e até munição. Chamaram a atenção R$ 21 mil em duas lojas de autopeças, R$ 1.800 numa livraria e R$ 1.114 em loja de banheiras e piscinas.

Em janeiro de 2008, o Ministério Público do Distrito Federal abriu inquérito para apurar suspeitas de uso irregular de cartões corporativos no pagamento de despesas de hospedagem da comitiva precursora de uma viagem de Lula a Ribeirão Preto (SP) e Sertãozinho (SP), cidades onde o presidente entregaria uma usina termoelétrica e iria a uma feira agrícola em maio de 2003.

Agentes de segurança e equipe de apoio técnico que formavam o escalão avançado do Palácio do Planalto ficaram hospedados em dois hotéis. Descobriu-se depois que um cartão corporativo do Governo Federal pagou R$ 3.030 referentes a 22 diárias de pessoas que não faziam parte da comitiva oficial. Outro cartão corporativo bancou despesas de R$ 1.475 em diárias que excediam o período de permanência dos funcionários federais.

Em Sertãozinho, um cartão de crédito do governo serviu para deixar R$ 23.830 em hotel da cidade. Três anos depois, apurou-se que o mesmo hotel cobrava preços inferiores. O custo da comitiva não teria ultrapassado os R$ 10.208. Uma diferença de R$ 13.622. Somando-se a outros gastos efetuados pela comitiva de Lula durante a viagem, o Ministério Público concluiu que R$ 18.127 teriam sido pagos a mais. Ou embolsados pelos espertalhões.

O TCU (Tribunal de Constas da União) constatou diversos problemas no uso de cartões corporativos da Presidência da República. Para justificar gastos, funcionários apresentaram notas fiscais emitidas sem autorização do órgão fiscal e em nome de firmas com endereços fantasmas. Houve falta de recolhimento de tributos e notas "calçadas". Explica-se: sempre em poder do "cliente", elas têm a característica de apresentar valores superiores aos registrados nas vias dos talonários. O expediente é usado para render dinheiro extra, em geral embolsado pelos responsáveis por fazer a prestação de contas.

Sob o manto da segurança nacional e com a anuência do presidente, torraram dinheiro público em sigilo. Não eram gastos emergenciais ou despesas de viagem que só poderiam ser feitas com o uso de cartões corporativos. Não se tratou disso. Não fizeram licitações, pregões ou outras modalidades de concorrência pública. Não deram explicações. Não houve transparência. Não houve controle algum. Tudo em nome de se proteger Lula.

08 de maio de 2012

CAPÍTULO ANTERIOR - ARQUIVO DE 07 DE MAIO DE 2012

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