“Um país com um Executivo hipertrofiado e superpoderoso, um Legislativo que não legisla e um Judiciário que não julga, democracia, definitivamente, não será”
Poderia ser apenas um embate entre dois senhores. Não fossem os senhores quem são e o que representam. Não tivesse a importância que tem o suposto tema da conversa.
O primeiro, Luiz Inácio Lula da Silva, é somente o presidente mais popular da história do país. O segundo, Gilmar Mendes, é simplesmente ministro do Supremo Tribunal Federal, a instância máxima do Judiciário, um dos três poderes da República. E o suposto tema da conversa: aquele que talvez será o julgamento de cunho político mais importante de todos os tempos.
Tendo sido uma conversa privada, vai ficar sempre o dito pelo não dito. Gilmar Mendes dirá que Lula, na conversa ocorrida no escritório do ex-ministro da Defesa Nelson Jobim, o constrangeu no sentido de adiar o julgamento do mensalão em troca de evitar que seguisse adiante na CPI do Cachoeira uma investigação sobre a viagem que ele fez à Alemanha, na qual encontrou-se com Demóstenes Torres (ex-DEM-GO).
Lula dirá sempre que a conversa não ocorreu nos termos narrados por Gilmar Mendes, e somará a isso o fato de Jobim testemunhar no sentido de confirmar tal versão. Mas, mesmo assim, Gilmar insiste no que dissera. Fica o país dividido em duas torcidas. Quem gosta de Lula, acredita na sua versão. Quem não gosta, fica com a versão de Gilmar Mendes.
O problema são as consequências do jogo assistido por tais torcidas. O risco que há é se tal situação levar a um questionamento da futura decisão que o STF tomará no julgamento, já próximo, do mensalão.
A primeira delicadeza está na insistência de Lula na argumentação de que o mensalão foi uma farsa. Não apenas pelo fato de que tal argumentação mudou ao sabor do sentimento de fragilidade de Lula diante do tema. No meio da crise em seu primeiro governo, Lula reuniu seu Ministério numa reunião na Granja do Torto, pediu desculpas e disse que o PT devia desculpas também.
Se era tudo uma farsa, era preciso pedir desculpas do quê? Mas o problema mais delicado é que se torna impossível circunscrever a ideia da farsa aos inimigos de ocasião, a oposição e a imprensa refratária ao PT e ao governo. Primeiro, teria que estar envolvida na farsa a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República, responsáveis pela investigação e pela denúncia que originou o processo do mensalão.
E, mesmo que o julgamento ainda esteja em curso, também os ministros do Supremo, porque eles enxergaram indícios de crime, aceitaram a abertura do processo e tornaram os envolvidos réus.
Os ministros do STF não morrem de amores uns aos outros, mas todos eles vão certamente unir-se em defesa da instituição que representam. Não é nada bom para o julgamento que vai haver se os ministros forem a ele sentindo-se afrontados ou pressionados quanto ao fato de que são um poder autônomo e independente.
Ocorrido o julgamento, há, então, o risco mais grave. Se os ministros absolverem os réus do processo do mensalão, os que forem contrários a isso poderão passar a dizer que tal resultado ocorreu pela pressão exercida por Lula e pelos demais caciques do PT. Se, ao contrário, os ministros condenarem os réus, aqueles que se opõem a tal desfecho poderão dizer, então, que foi pela pressão da mídia oposicionista ou coisa que o valha.
Numa nação dentro da sua normalidade, tais posicionamentos não podem nunca ultrapassar os limites das mesas de botequim. Porque será um perigo se decisões finais do Supremo vierem a ser questionadas e relativizadas. Será o caminho para que, por exemplo, grupos mais conservadores no campo da moral e dos costumes se sintam seguros para questionar e relativizar o cumprimento de regras já definidas pelo STF, como a união entre pessoas do mesmo sexo ou o aborto de anencéfalos.
Seria bom se as torcidas em questão tivessem frieza e bom senso para não levar o país a isso.
Hoje, já temos um poder Executivo superdimensionado. Um Legislativo desmoralizado no qual a população não confia, diminuído no seu poder de legislar pelo abuso do Executivo no uso das medidas provisórias. Só nos falta mesmo um Judiciário cujos julgamentos a sociedade questione e, no limite, não obedeça.
Porque, aí, mesmo com governantes escolhidos pelo voto dos cidadãos, o que teremos será uma mais uma excentricidade tupiniquim que precisará de batismo. Um sistema com um Executivo hipertrofiado e superpoderoso, um Legislativo que não legisla e um Judiciário que não julga vai precisar de outro nome. Porque democracia, definitivamente, não será.
31 de maio de 2012
Rudolfo Lago
O primeiro, Luiz Inácio Lula da Silva, é somente o presidente mais popular da história do país. O segundo, Gilmar Mendes, é simplesmente ministro do Supremo Tribunal Federal, a instância máxima do Judiciário, um dos três poderes da República. E o suposto tema da conversa: aquele que talvez será o julgamento de cunho político mais importante de todos os tempos.
Tendo sido uma conversa privada, vai ficar sempre o dito pelo não dito. Gilmar Mendes dirá que Lula, na conversa ocorrida no escritório do ex-ministro da Defesa Nelson Jobim, o constrangeu no sentido de adiar o julgamento do mensalão em troca de evitar que seguisse adiante na CPI do Cachoeira uma investigação sobre a viagem que ele fez à Alemanha, na qual encontrou-se com Demóstenes Torres (ex-DEM-GO).
Lula dirá sempre que a conversa não ocorreu nos termos narrados por Gilmar Mendes, e somará a isso o fato de Jobim testemunhar no sentido de confirmar tal versão. Mas, mesmo assim, Gilmar insiste no que dissera. Fica o país dividido em duas torcidas. Quem gosta de Lula, acredita na sua versão. Quem não gosta, fica com a versão de Gilmar Mendes.
O problema são as consequências do jogo assistido por tais torcidas. O risco que há é se tal situação levar a um questionamento da futura decisão que o STF tomará no julgamento, já próximo, do mensalão.
A primeira delicadeza está na insistência de Lula na argumentação de que o mensalão foi uma farsa. Não apenas pelo fato de que tal argumentação mudou ao sabor do sentimento de fragilidade de Lula diante do tema. No meio da crise em seu primeiro governo, Lula reuniu seu Ministério numa reunião na Granja do Torto, pediu desculpas e disse que o PT devia desculpas também.
Se era tudo uma farsa, era preciso pedir desculpas do quê? Mas o problema mais delicado é que se torna impossível circunscrever a ideia da farsa aos inimigos de ocasião, a oposição e a imprensa refratária ao PT e ao governo. Primeiro, teria que estar envolvida na farsa a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República, responsáveis pela investigação e pela denúncia que originou o processo do mensalão.
E, mesmo que o julgamento ainda esteja em curso, também os ministros do Supremo, porque eles enxergaram indícios de crime, aceitaram a abertura do processo e tornaram os envolvidos réus.
Os ministros do STF não morrem de amores uns aos outros, mas todos eles vão certamente unir-se em defesa da instituição que representam. Não é nada bom para o julgamento que vai haver se os ministros forem a ele sentindo-se afrontados ou pressionados quanto ao fato de que são um poder autônomo e independente.
Ocorrido o julgamento, há, então, o risco mais grave. Se os ministros absolverem os réus do processo do mensalão, os que forem contrários a isso poderão passar a dizer que tal resultado ocorreu pela pressão exercida por Lula e pelos demais caciques do PT. Se, ao contrário, os ministros condenarem os réus, aqueles que se opõem a tal desfecho poderão dizer, então, que foi pela pressão da mídia oposicionista ou coisa que o valha.
Numa nação dentro da sua normalidade, tais posicionamentos não podem nunca ultrapassar os limites das mesas de botequim. Porque será um perigo se decisões finais do Supremo vierem a ser questionadas e relativizadas. Será o caminho para que, por exemplo, grupos mais conservadores no campo da moral e dos costumes se sintam seguros para questionar e relativizar o cumprimento de regras já definidas pelo STF, como a união entre pessoas do mesmo sexo ou o aborto de anencéfalos.
Seria bom se as torcidas em questão tivessem frieza e bom senso para não levar o país a isso.
Hoje, já temos um poder Executivo superdimensionado. Um Legislativo desmoralizado no qual a população não confia, diminuído no seu poder de legislar pelo abuso do Executivo no uso das medidas provisórias. Só nos falta mesmo um Judiciário cujos julgamentos a sociedade questione e, no limite, não obedeça.
Porque, aí, mesmo com governantes escolhidos pelo voto dos cidadãos, o que teremos será uma mais uma excentricidade tupiniquim que precisará de batismo. Um sistema com um Executivo hipertrofiado e superpoderoso, um Legislativo que não legisla e um Judiciário que não julga vai precisar de outro nome. Porque democracia, definitivamente, não será.
31 de maio de 2012
Rudolfo Lago
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