UMA NOITE NA ALEMANHA
De costas para o quadro negro, na sala de aula da escola vazia, o candidato a deputado discutia com 46 habitantes de Hilden, entre oito e dez da noite, os problemas da Alemanha, da Europa, do mundo:
- A luta pela segurança é a principal preocupação de nosso povo e por isso foi o centro de toda esta campanha. Mas segurança não é apenas a paz contra a guerra. É também a luta contra as demais ameaças que angustiam a humanidade: a crise da energia; o fim do petróleo; as nuvens da poluição industrial sobre as cidades, novamente mostradas pelas fotos dos satélites; o desflorestamento; a miséria dos povos subdesenvolvidos.
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DOM HELDER
A convite do SPD alemão, o Partido Social Democrata, comandado então pelo chanceler (primeiro-ministro) Helmut Schmidt, estavamos na Alemanha, em setembro de 1980, acompanhando as duas últimas semanas da campanha eleitoral, quatro representantes dos principais partidos da oposição no Brasil : Ulysses Guimarães (PMDB), José Aparecido (PP), Jacó Bittar (PT), e eu do PDT. O deputado Uwe Holts continuou :
- Estive no mês passado no Brasil, conversei demoradamente com o grande líder da Igreja na América Latina, o arcebispo Hélder Câmara, e ele me dizia que o desprezo dos países ricos pela miséria dos países pobres é um suicídio que a qualquer instante pode custar-nos um preço extremo.
A sala ouvia em silêncio, como numa aula de alunos bem comportados. Uma mulher fazia tricô de olhos duros no deputado Holtz, 36 anos, formado em filosofia e psicologia, social-democrata, candidato à reeleição. Lá de trás, um homem de cara vermelha levanta o braço:
- O arcebispo dom Hélder critica o nosso egoísmo de país rico. Por que ele não critica também o egoísmo que é a construção da Transamazônica, devastando a floresta amazônica?
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AMAZONIA
O deputado levanta-se, estimulado pelo aparte:
- A estrada é um projeto do governo brasileiro, que eu não discuto, porque não podemos discutir os planos do progresso dos outros. Mas fui informado, no Brasil, de que a estrada não é a principal ameaça à floresta amazônica. A ameaça maior são os grandes pedaços de terra que as multinacionais, algumas delas nossas, adquiriram lá e estão fazendo enormes queimadas e devastações para implantarem seus projetos. E não é só lá que elas agem assim. Elas não combateram, aqui, a redução do chumbo na gasolina, só pensando em seus lucros? Nós estamos exportando, por exemplo, para o Brasil, nossa tecnologia nuclear. E a verdade é que ainda não temos uma tecnologia capaz de dizer que a exploração nuclear seja a melhor solução. No meu entender, em matéria de tecnologia nuclear, deveríamos continuar fazendo testes mas não grandes investimentos. O projeto com o Brasil, o acordo assinado, prevê oito usinas. Agora, parece que só serão construídas duas, porque o Brasil se convenceu de que é melhor investir primeiro em outras fontes de energia, como a hidrelétrica.
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TRÊS ARVORES
Mais um levanta o braço e acusa a Câmara Municipal de não haver defendido, como devia, três árvores ameaçadas de serem cortadas. E durante meia hora aqueles 46 cidadãos bem vestidos, bem alimentados, bem comportados e certamente bem empregados, esqueceram o acordo nuclear Brasil-Alemanha, a Amazônia, e discutiam calorosamente o destino de três árvores. O deputado retomou a palavra:
- Temos o dever de assegurar nossa vida, nosso futuro, defendendo a todo preço o meio ambiente. No entanto, as pessoas se sentem ameaçadas em sua liberdade quando o governo quer limitar em 130 quilômetros a velocidade nas estradas (iam até 180, 200 km). Precisamos lutar para manter as atuais auto-estradas e não fazer outras cortando a paisagem.
Dez e meia da noite, ainda conversavam, discutiam. Ninguém falou em salário, inflação, custo de vida, desemprego. Só meio ambiente.
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RIO+20
A Rio+20 mais uma vez mostrou como eles, os países ricos, são. Nenhum quis assumir compromisso de nada. E a americana Hillary Clinton, com aquele cabelo do Bataclan de Gabriela, prometeu 30 milhões de dólares para “o desenvolvimento de toda a Africa” : é menos do que ela gastou para tirar a Monica Levinsky debaixo da mesa de Bill Clinton.
26 de junho de 2012
Sebastião Nery
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