Brasil, Argentina e Uruguai devem sacramentar hoje a entrada da Venezuela no Mercosul, à revelia do quarto sócio, o Paraguai.
Realizado desta forma, o ingresso do país do ditador Hugo Chávez fere de morte os princípios democráticos do bloco regional e tende a representar um passo perigoso rumo à implosão do projeto de integração.
É o golpe final.
A República Bolivariana de Venezuela foi admitida no Mercosul por meio de um golpe. Os países-membros aproveitaram a suspensão imposta ao Paraguai - por supostamente ter incorrido em "ruptura da ordem democrática" ao aprovar o impeachment de Fernando Lugo em processo acelerado - para permitir que o país de Chávez adentrasse o bloco, algo que os paraguaios se recusavam, desde 2009, a ratificar.
Ou seja, à guisa de punir um país que, supostamente, teria violado cláusulas democráticas, os demais membros do Mercosul incorreram numa afronta ainda maior aos princípios do Estado Democrático de Direito.
No início do mês, a diplomacia uruguaia denunciou que a acintosa decisão foi imposta aos demais países pela presidente Dilma Rousseff, numa "grave ferida institucional", nas palavras do vice-presidente Danilo Astori.
O mais grave é que, a partir de agora, o destino do Mercosul estará atado às diatribes de um governante como Hugo Chávez, claramente avesso à liberalização dos mercados e à formalização de novos acordos de livre comércio, numa espécie de "protecionismo ideológico".
Nesta perspectiva, as chances de avançarem negociações do bloco com os Estados Unidos ou a União Europeia tornam-se mínimas doravante.
Além do nebuloso horizonte que se descortina para a expansão comercial do bloco em direção a outros mercados, o Mercosul incorpora em seu seio um governo descomprometido com a democracia e com os direitos humanos, e ainda suspeito de manter fortes laços com o crime organizado.
Trata-se, sob os mais variados aspectos, de um indesejado conviva.
O governo de Chávez foi alvo de relatório crítico da Human Rights Watch divulgado há duas semanas. O documento aponta concentração e abuso de poder por parte do ditador, que ocupa o cargo há 13 anos. Lista, ainda, uma série de casos de intimidação, censura e processos promovidos por Chávez contra o Judiciário, a imprensa e a sociedade civil na Venezuela.
Há, também, fundadas suspeitas de que o regime bolivariano compactue com narcoguerrilheiros das Farc na Colômbia. Segundo alguns ex-magistrados venezuelanos ouvidos pelo New York Times, quase toda a cúpula do poder abaixo de Chávez faz parte de uma grande rede sul-americana de narcotráfico.
Afora suas más credenciais democráticas, a Venezuela sequer demonstrou, até agora, compromisso verdadeiro com os requisitos que deveriam permitir a sua incorporação ao Mercosul.
Sua entrada no bloco é objeto de negociação desde 2006, mas até hoje Caracas não adotou as normas e o padrão aduaneiro do bloco nem informou sua lista de produtos considerados sensíveis - cujo prazo venceu em 2010.
Toda esta ficha corrida não compensa a perspectiva, alardeada pelos defensores do ingresso venezuelano, de abrir um mercado que produz US$ 316 bilhões em bens e riquezas.
O custo desta decisão será ter, sentado à mesa do Mercosul, com plenos poderes para vetar o que bem entender, um governante cujo único compromisso é com sua própria perpetuação no poder.
A entrada da Venezuela no Mercosul, principalmente pela forma autoritária com que está se dando, acentua a politização que o governo petista empreendeu à política externa brasileira.
Antes firmemente comprometida com os ideais democráticos, nossa diplomacia agora flerta indesejavelmente com o perigo e incentiva um governo ditatorial - como, aliás, fez em diversas outras partes do mundo desde a ascensão do PT ao poder.
Ao Mercosul, o que se avizinha é, na melhor das hipóteses, um período de turbulência, em que os membros continuarão sem saber se são uma mera zona de livre comércio, uma união aduaneira ou um desejável mercado comum.
Contudo, a adesão da Venezuela pode representar algo ainda pior para as pretensões do bloco: uma marcha batida rumo à irrelevância ou, ainda, a um fim tristemente melancólico.
Fonte: Instituto Teotônio Vilela
O golpe final no Mercosul
Realizado desta forma, o ingresso do país do ditador Hugo Chávez fere de morte os princípios democráticos do bloco regional e tende a representar um passo perigoso rumo à implosão do projeto de integração.
É o golpe final.
A República Bolivariana de Venezuela foi admitida no Mercosul por meio de um golpe. Os países-membros aproveitaram a suspensão imposta ao Paraguai - por supostamente ter incorrido em "ruptura da ordem democrática" ao aprovar o impeachment de Fernando Lugo em processo acelerado - para permitir que o país de Chávez adentrasse o bloco, algo que os paraguaios se recusavam, desde 2009, a ratificar.
Ou seja, à guisa de punir um país que, supostamente, teria violado cláusulas democráticas, os demais membros do Mercosul incorreram numa afronta ainda maior aos princípios do Estado Democrático de Direito.
No início do mês, a diplomacia uruguaia denunciou que a acintosa decisão foi imposta aos demais países pela presidente Dilma Rousseff, numa "grave ferida institucional", nas palavras do vice-presidente Danilo Astori.
O mais grave é que, a partir de agora, o destino do Mercosul estará atado às diatribes de um governante como Hugo Chávez, claramente avesso à liberalização dos mercados e à formalização de novos acordos de livre comércio, numa espécie de "protecionismo ideológico".
Nesta perspectiva, as chances de avançarem negociações do bloco com os Estados Unidos ou a União Europeia tornam-se mínimas doravante.
Além do nebuloso horizonte que se descortina para a expansão comercial do bloco em direção a outros mercados, o Mercosul incorpora em seu seio um governo descomprometido com a democracia e com os direitos humanos, e ainda suspeito de manter fortes laços com o crime organizado.
Trata-se, sob os mais variados aspectos, de um indesejado conviva.
O governo de Chávez foi alvo de relatório crítico da Human Rights Watch divulgado há duas semanas. O documento aponta concentração e abuso de poder por parte do ditador, que ocupa o cargo há 13 anos. Lista, ainda, uma série de casos de intimidação, censura e processos promovidos por Chávez contra o Judiciário, a imprensa e a sociedade civil na Venezuela.
Há, também, fundadas suspeitas de que o regime bolivariano compactue com narcoguerrilheiros das Farc na Colômbia. Segundo alguns ex-magistrados venezuelanos ouvidos pelo New York Times, quase toda a cúpula do poder abaixo de Chávez faz parte de uma grande rede sul-americana de narcotráfico.
Afora suas más credenciais democráticas, a Venezuela sequer demonstrou, até agora, compromisso verdadeiro com os requisitos que deveriam permitir a sua incorporação ao Mercosul.
Sua entrada no bloco é objeto de negociação desde 2006, mas até hoje Caracas não adotou as normas e o padrão aduaneiro do bloco nem informou sua lista de produtos considerados sensíveis - cujo prazo venceu em 2010.
Toda esta ficha corrida não compensa a perspectiva, alardeada pelos defensores do ingresso venezuelano, de abrir um mercado que produz US$ 316 bilhões em bens e riquezas.
O custo desta decisão será ter, sentado à mesa do Mercosul, com plenos poderes para vetar o que bem entender, um governante cujo único compromisso é com sua própria perpetuação no poder.
A entrada da Venezuela no Mercosul, principalmente pela forma autoritária com que está se dando, acentua a politização que o governo petista empreendeu à política externa brasileira.
Antes firmemente comprometida com os ideais democráticos, nossa diplomacia agora flerta indesejavelmente com o perigo e incentiva um governo ditatorial - como, aliás, fez em diversas outras partes do mundo desde a ascensão do PT ao poder.
Ao Mercosul, o que se avizinha é, na melhor das hipóteses, um período de turbulência, em que os membros continuarão sem saber se são uma mera zona de livre comércio, uma união aduaneira ou um desejável mercado comum.
Contudo, a adesão da Venezuela pode representar algo ainda pior para as pretensões do bloco: uma marcha batida rumo à irrelevância ou, ainda, a um fim tristemente melancólico.
Fonte: Instituto Teotônio Vilela
O golpe final no Mercosul
31 de julho de 2012
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