"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 31 de julho de 2012

O PÓS-MENSALÃO

A natural expectativa em torno do julgamento do mensalão reacende discussões acaloradas sobre as práticas políticas adotadas por expoentes do Partido dos Trabalhadores com integrantes da base aliada e empresários. Em um escândalo dessas proporções, torna-se inevitável a contenda partidária, com troca de acusações entre aliados e adversários do PT. Paralelamente, há um interessante debate jurídico sobre as teses defendidas pela Procuradoria-Geral da República, em contraposição aos argumentos da defesa dos réus. Como sói ocorrer em matérias polêmicas, caberá aos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal a honrosa e difícil missão de fundamentar as razões para condenar ou absolver 38 cidadãos envolvidos no mais rumoroso episódio da história recente da República.

A julgar pela preocupação do principal partido envolvido, parece evidente que o resultado do julgamento terá consequências no projeto de poder do PT. É difícil afirmar, contudo, o grau de impacto nas eleições municipais, pautadas principalmente pelas necessidades paroquiais. Pode-se prever alguma consequência para a eleição de 2014, especialmente se Lula levar adiante a intenção de concorrer mais uma vez à Presidência. Mas é temerário e inútil, nesse momento, fazer exercícios analíticos com tanta antecedência.

O que me parece relevante está inserido em uma única questão: qual será o legado do mensalão? Do ponto de vista jurídico, em sete anos a legislação pouco avançou para impedir a ocorrência dos crimes a serem analisados pela Corte Suprema. Conquistamos a Ficha Limpa, mas o financiamento de campanhas eleitorais ainda está vulnerável ao conhecido caixa 2; somente há algumas semanas a presidente Dilma Rousseff sancionou uma lei mais rigorosa para lavagem de dinheiro. E quem conhece a rotina da Esplanada e do Congresso Nacional sabe que ainda falta muito para se impedir a praga da corrupção %u2014 apenas para relembrar, há pouco mais de um ano a presidente Dilma afastou uma porção de ministros após suspeitas de malfeitos na administração pública.

O mensalão será julgado com o rigor característico do Supremo. Mas o veredicto terá alcance limitado na evolução da cultura política nacional. Para além do entendimento do Judiciário, cabe ao Legislativo definir regras moralizadoras e ao Executivo e ao Ministério Público agirem como fiscais diligentes. Não se pode excluir, naturalmente, a consciência do brasileiro na hora de escolher seus representantes. O pós-mensalão só atingirá a plenitude quando o país conquistar uma política descontaminada da criminalidade.

O Estado de S. Paulo (SP) -31/07/2012
Carlos Alexandre

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