"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 5 de agosto de 2012

CHICANEIRO-MOR QUER EMBOLAR O JULGAMENTO DO MENSALÃO


Quem me lê sabe que não assisto a novelas. Mas estou acompanhando a mais recente, a do mensalão. Ou Ação Penal 470, como prefere o PT. Para quem ainda cultiva algum senso de humor, não deixa de ser divertida.

Na sessão de ontem do STF, ao fim de sua sustentação oral, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu a prisão dos acusados de envolvimento no escândalo do mensalão tão logo a Corte chegue a um veredito. "A Procuradoria-Geral da República requer desde já a expedição de mandados de prisão imediatamente após a sentença", disse Gurgel, num movimento que visa a evitar que recursos da defesa atrasem o cumprimento de eventuais penas.

Wishful thinking do procurador. Onde se viu, neste país, levar à prisão de uma só vez uma chusma de figurões da República? Adoraria estar enganado, mas duvido que os grandes mandantes do mensalão enfrentem prisão, por algumas horas que sejam. Para não dizer que não fizeram justiça, os senhores vultures do STF provavelmente condenem a alguma pena mais dura algum mandalete da quadrilha, talvez um Delúbio Soares, quem sabe algum outro quadrilheiro que não tenha grande respaldo junto ao PT. Tire o cavalinho da chuva quem espera ver José Dirceu algemado sendo conduzido ao cárcere.

Na primeira sessão da colenda câmara, o renomado defensor de um dos mensaleiros, Márcio Thomaz Bastos, tido como um expoente das Letras Jurídicas no país, revelou-se um reles chicaneiro. Os criminalistas, hoje, não discutem mais os méritos de uma questão. Recorrem aos arabescos colaterais, isto é, o Direito Processual. Bastos reivindicou o desmembramento dos processos, alegando que um juiz de primeira julgaria mais rapidamente que o STF. Sua intenção era que o tribunal julgasse apenas três dos réus, que têm foro privilegiado, encaminhando os outros 35 para a primeira instância.

O que omitiu – e que salta aos olhos mesmo de um primeiranista de Direito - é que primeira instância tem segunda e terceira instâncias. E as sentenças seriam remetidas para as calendas da próxima década, se é que décadas têm calendas. Sem falar que adiamento mais longo pode levar à prescrição do delito de formação de quadrilha. O que seria um alívio para José Dirceu e seus cúmplices. É óbvio que tais manobras visando o adiamento do julgamento serão repetidas nas próximas sessões. A esperança dos quadrilheiros é a última que morre.

Mas seu apelo foi eficaz. Atrasou por um dia o julgamento, o que pode escantear o voto do ministro Cesar Peluso, tido como desfavorável aos réus. Nesta sua chicana, teve como cúmplice o ministro revisor do processo, Ricardo Lewandovski, que puxou do bolso um improviso de setenta páginas, cuja leitura durou 80 minutos. Para debater uma questão já julgada – e negada – pelo tribunal, o desmembramento do processo.

Lewandovski trazia seu voto pronto. Sabia que o chicaneiro-mor do mensalão alegaria a necessidade do desmembramento. Isto é, o ministro julgador está agindo em concerto com a defesa dos réus. Que vote pela absolvição dos réus é direito seu. Que participe de uma manobra espúria para absolvê-los, isto se chama cumplicidade.

Como dizia Swift, "no julgamento das pessoas acusadas de crimes contra o Estado, é muito mais curto e louvável o processo; sonda o juiz, primeiro, a disposição dos que se encontram no poder; depois, não lhe é difícil enforcar ou salvar o criminoso, preservando rigorosamente as devidas formas da lei.

Mas o melhor vem agora. Advogados do PT querem proibir a imprensa de usar a palavra "mensalão". Reunidos ontem, em São Paulo, cerca de 30 advogados decidiram que tomarão "providências jurídicas", para que seja utilizada a designação "Ação Penal 470", quando se referir ao suposto pagamento de propina a parlamentares. Esta iniciativa já vinha sendo anunciada na imprensa.

O coordenador jurídico do PT, Marco Aurélio de Carvalho, disse que a palavra "mensalão" exprime juízo de valor pejorativo. Sua principal queixa é contra o uso feito pela TV Globo e pela Globo News, "que muitas vezes escrevem a palavra até em negrito". E completa: "Uma concessão pública não deveria divulgar teses, apenas informações para o público".

O coordenador jurídico do PT tem a boca entortada pelo cachimbo. Ninguém mais do que o PT sabe que a imprensa dominada pelo governo não pode ter opinião. Não pode emitir juízos de valor. Juízos de valor são excrescências da assim chamada “mídia burguesa”. Que infelizmente ainda tem voz neste país. A televisão pode ser concessão pública. Mas antes de tudo é jornalismo.

O PT é exímio no traquejo da novilíngua orwelliana. Seus líderes jamais pronunciam, por exemplo, a expressão crimes do comunismo. E sim desvios do comunismo. Desvio soa melhor. Peculato, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha não mais são peculato, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha. Mas inocente caixa 2, recursos não-contabilizados. A convicção da militância é tamanha que ainda há pouco uma petista me jurava de pés juntos que mensalão é ficção da imprensa burguesa.

Este também é o entendimento da defesa dos réus. E que ficção! Parodiando o capo di tutti i capi, nunca se viu antes na história deste país uma ficção de 50 mil páginas. Talvez não mereça o Nobel. Mas certamente faz jus ao Guinness World Records.

A semana promete emoções. É a estréia de Luiz Francisco Corrêa Barbosa, advogado do ex-deputado Roberto Jefferson. Barbosa é atrevido. Considerou que o ato de Lewandowski abre "precedente para que várias outras coisas que já foram apreciadas voltem". O advogado tentou incluir Lula como réu ao menos duas vezes. "Daí, vem a metáfora: como que manda processar os empregados e deixa os patrões de fora?", questionou Barbosa. Ele pretende questionar no plenário a ausência do ex-presidente.

Quem viver mais dois dias, verá. Lewandowski vai subir nos tamancos. Sem colocar em dúvida a competência de Corrêa Barbosa, eu faria diferente. Incluiria Lula não como réu, mas como testemunha de acusação. Afinal, foi ele quem afirmou, há sete anos:

“Ajudei a criar esse partido e, vocês sabem, perdi três eleições presidenciais e ganhei a quarta, mantendo-me sempre fiel a esses ideais, tão fiel quanto sou hoje. Quero dizer a vocês, com toda a franqueza, eu me sinto traído. Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento.

“Estou indignado pelas revelações que aparecem a cada dia, e que chocam o país. O PT foi criado justamente para fortalecer a ética na política e lutar ao lado do povo pobre e das camadas médias do nosso país. Eu não mudei e, tenho certeza, a mesma indignação que sinto é compartilhada pela grande maioria de todos aqueles que nos acompanharam nessa trajetória”.

O chicaneiro-mor certamente vai tentar embolar de novo o mensalão. Para isto foi contratado.


05 de agosto de 2012
janer cristaldo

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