Não existe crime perfeito. Quem comete crimes tenta não
deixar rastros. Mas, por se acreditarem poderosos, criminosos pecam por fazer
pouco caso de que há sempre quem acaba dando com a língua nos dentes. As tais
das testemunhas. Gente insatisfeita, mal paga ou desavisada, que complica a vida
dos delinquentes. E isso vale para todo tipo de crime. Para a rede de tráfico de
drogas ou de influências. Para a planície e o planalto. Para o mensalão.
Essa premissa, tese do procurador-geral da República Roberto Gurgel na argumentação oral contra os réus do mensalão aos ministros do Supremo Tribunal Federal, é quase um nocaute naqueles que pretendem insistir em desafiar a lógica.
Corrupto algum admite sê-lo. Nem quando pego com a boca na botija, gravado em vídeo como o ex-governador do DF José Roberto Arruda e sua turma, ou em flagrante, caso do irmão do réu José Genoíno, deputado José Guimarães (PT-CE), aquele que escondeu R$ 100 mil na cueca.
Mas esses são exemplos chulos, personagens descuidados, aloprados. Faltavam-lhes ordem, comando e liderança.
Por mais que se pudesse saber sobre a sofisticação do esquema, é difícil não ficar chocado ao ouvir o detalhamento das operações do mensalão. O volume de dinheiro envolvido, transações bancárias ilícitas, pagamentos fictícios, lavação de dinheiro. É difícil não ter engulhos.
Não cabe antecipar se um ou outro réu é culpado ou inocente. Isso é tarefa dos ministros do STF. Só não há como negar o esquema. As provas materiais - saques em espécie e até carros-fortes - e testemunhais, como as confissões de presidentes de partidos aliados que admitem recebimento de milhões, estão lá nos autos.
Insistirão alguns: era caixa 2. E daí? Nenhum contribuinte autorizou que o seu dinheiro fosse utilizado para esse fim. É crime do mesmo jeito.
E tudo feito debaixo dos nossos narizes, com fortes indícios de ter sido comandado pelo ex-ministro José Dirceu, na sala ao lado do então presidente Lula, sempre elogiado por ser dotado de um faro invejável.
Lula e Dilma fingem que nada têm com isso. Querem distância. A presidente não quer nem ouvir falar de mensalão. Lula, que tem “muito mais coisa para fazer”, desdenha da Corte Suprema do país. Manda dizer que prefere assistir a jogos olímpicos e novela a acompanhar o julgamento dos seus. Logo ele, que tanto teria a aprender com a frase de Gurgel: “Altas autoridades públicas devem servir de paradigmas. Seus atos para o bem e para o mal têm efeito pedagógico.”
Há tempos Lula sabe que o crime foi quase perfeito. Só quase. Daí, melhor ver Avenida Brasil a ver o Brasil que aparece nas sessões do STF.
05 de agosto de 2012
Mary Zaidan é jornalista, trabalhou nos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo, em Brasília. Foi assessora de imprensa do governador Mario Covas em duas campanhas e ao longo de todo o seu período no Palácio dos Bandeirantes. Há cinco anos coordena o atendimento da área pública da agência 'Lu Fernandes Comunicação e Imprensa
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