Quando pendura
nos ombros a toga de ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello
se proíbe de falar língua de gente. Jamais concorda. Anui. Nunca discorda.
Discrepa. Não pondera. Obtempera. Nem pergunta. Argui. E se recusa
terminantemente a acrescentar alguma coisa: o dicionário ambulante prefere
aduzir.
É natural que
incontáveis espectadores da TV Justiça não consigam entender o palavrório, que
Marco Aurélio faz questão de temperar com expressões em latim e citações de
sumidades jurídicas. Como não há tradução simultânea, muita gente nem desconfia
que está em ação o mais aguerrido zagueiro do time que joga para atrasar,
atrapalhar ou, se possível, obstruir até o fim dos tempos o desfecho do processo
do mensalão.
Nos primeiros
minutos da sessão inaugural, o ministro Ricardo Lewandowski e o advogado Márcio
Thomaz Bastos, atacantes da equipe em que Marco Aurélio brilha como xerife da
pequena área, tramaram a obscena tabelinha que adiou por um dia o desfecho do
processo que se arrasta desde 2007.
Pelo que se viu nesta quarta-feira, cumpre a
Marco Aurélio impedir com botinadas na lógica e no bom senso que se recupere o
tempo perdido.
Se a estratégia
der certo, Cezar Peluso, um juiz de carreira que não costuma fechar os olhos a
provas e evidências, não conseguirá votar antes da aposentadoria compulsória
marcada para 3 de setembro. “Por que dar tanta importância à participação de um
ministro?”, desdenhou Marco Aurélio na semana passada. “Já julgamos vários casos
relevantes com oito ministros. Ou menos”.
O Marco Aurélio das entrevistas aos
jornais é bem mais claro que o Marco Aurélio de toga. Sorte dos interessados em
saber o que vai pela cabeça dos 11 do Supremo.
O zagueiro entrou
oficialmente em campo em maio, com uma pergunta assombrosa sobre o processo do
mensalão. “Por que julgar a toque de caixa?”, fingiu espantar-se. Como se
decidir em setembro de 2012 um caso descoberto em junho de 2005 fosse coisa de
Usain Bolt.
Marco Aurélio declarou-se incapaz de enxergar diferenças entre o
mais importante processo judicial da história do Brasil e outros 700
estacionados na fila de espera do Supremo Tribunal
Federal.
“Não devemos
ceder à turba, que quer justiçamento, e muito menos à pressão política, que
tenta adiar o julgamento”, recitou em maio. O falatório confirmou que o autor
discurso que denunciou o Brasil do faz de conta já transferira residência para o
país da fantasia malandra. E por lá continua, atestam as jogadas ensaiadas com
Ricardo Lewandowski para obstruir o avanço da votação.
Há dias, avisou
que cairia fora de uma das sessões para comparecer a um seminário em São Paulo
agendado no início do ano. “Sou homem de cumprir o combinado”, jactou-se.
Sabe-se lá o que combinou fazer no julgamento do mensalão. Sabe-se lá o que
combinou. O certo é que está cumprindo o combinado. Pior para o Brasil
decente.
Maus atores o
país tem de sobra. O que anda em falta é bom juiz.
17 de agosto de 2012
Augusto Nunes
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