Este é um momento magnífico da democracia brasileira. O Supremo Tribunal Federal (STF) está na parte final de um longo processo, em que todo o direito de defesa foi respeitado, e 37 réus estão sendo julgados. Alguns eram integrantes da linha de frente do mais popular governo que a República já teve. É lamentável que a tensão e os desentendimentos pessoais ocupem a cena.
Não se sabe o que o STF vai decidir. E essa é a melhor notícia. Suas eminências, os ministros e ministras, não votarão de acordo com o desejo de quem os nomeou.
Dos 11 ministros da Corte, oito foram nomeados nos últimos dez anos, em governos do PT. Se o Brasil fosse a Venezuela, já se saberia o resultado. Na verdade, não haveria o julgamento.
Não será a sentença que definirá o valor do momento. Ele tem valor em si. A condenação ou absolvição dos réus será uma decisão dos juízes. Cada brasileiro pode torcer pelo resultado que pense ser o mais adequado, mas o mais relevante é entender a informação que o próprio processo carrega.
Todas as instituições que nos trouxeram até aqui já viveram piores momentos. O Congresso já foi fechado, o Supremo teve ministros aposentados por ato institucional, o Ministério Público não tinha independência, a Polícia Federal era braço da repressão política.
Neste caso, todas essas instituições exerceram papéis corretos. Não houve perfeição. A Polícia Federal acha que o procurador ignorou certas partes da investigação, a CPI recolheu depoimentos em ambiente exacerbado pela disputa política, o Supremo vive cenas desconcertantes.
Um dos ministros tem um óbvio impedimento porque terá que julgar aquilo que defendeu não existir. Alguns advogados foram muito além do razoável na defesa dos seus clientes, ofendendo relator e procurador. Um deles esteve mais dedicado às exibições de sua proximidade do poder.
Com tudo isso, o desempenho das instituições tem sido notável nos sete anos entre o conhecimento dos fatos e o julgamento. A nota fora do tom tem sido o clima de atrito entre os ministros relator e revisor. Debates regimentais e processuais eram de se esperar.
Animosidades, não.
O país não espera que ministros do Supremo sejam amigos, mas aguarda que sejam capazes de superar eventuais antipatias de natureza estritamente pessoal. Um provoca, o outro se deixa aprisionar na rede da provocação, quando ambos deveriam estar concentrados em exercer cada um o seu papel.
O relator tem um destaque central; o revisor tem o segundo papel. Já se sabe que os dois divergem, e isso é ótimo. Poderemos ver o mesmo fato por ângulos diferentes. Mas só o relator é relator. Por cinco anos o processo foi a ele entregue. O revisor preparou nos últimos seis meses o seu contraponto. Na hora do voto, serão todos iguais. Não há voto com peso maior.
Não está em questão a biografia dos ministros, mas sim a capacidade de as instituições passarem por um teste extremo.
O ex-presidente Lula foi o mais popular dos chefes de governo. JK foi popular a posteriori, Getúlio teve grandes momentos nos braços do povo, mas sua história de ditador e presidente eleito é única. FH teve forte apoio no auge do Plano Real. Ninguém, no entanto, teve a popularidade de Lula.
A despeito disso, alguns dos seus principais auxiliares no primeiro mandato estão sendo julgados. Está lá o seu ex-chefe da Casa Civil. Está lá o responsável por sua propaganda eleitoral.
É o fato de estarem no banco dos réus que mostra a solidez das instituições. A democracia brasileira se fortalece quando demonstra que não existem cidadãos acima das leis.
17 de agosto de 2012
Miriam Leitão, O Globo
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